José Lemos*
Em junho de 2015 eu escrevi e defendi uma Tese para concorrer à vaga de Professor Titular na Universidade Federal do Ceará. No prólogo daquele trabalho, com a ousadia de “quem não queria ficar sentado no trono de um apartamento com a boca escancarada e cheia de dentes esperando a morte chegar”, eu escrevi:
“Prover bem-estar e felicidade para as pessoas que amamos e que nos amam é uma das nossas missões durante a nossa breve passagem por este belo planeta. Portanto, não é nada mais além do que cumprir a nossa obrigação. Na minha avaliação é muito mais gratificante se, além de cumprir esta missão, pudermos com as nossas ações, trabalho e atitudes, proporcionar bem-estar, alegria e felicidade para pessoas que não fazem parte do nosso circulo de amizade e que talvez jamais conheçamos. Fazendo assim, acredito ter valido a pena ter passado por este belo Planeta Azul.”
Fernando Pessoa, no seu Belo Poema “Navegar é Preciso” havia escrito:
“Viver não é necessário; o que é necessário é criar. Não conto gozar a minha vida; nem em gozá-la penso. Só quero torná-la grande, ainda que para isso tenha de ser o meu corpo e a (minha alma) a lenha desse fogo.”
Em 27 de setembro de 2006 eu estava na condição de Secretário de Agricultura do Maranhão, pela generosidade do Governador Jose Reinaldo, que enxergou num Professor Universitário, sem vinculação partidária, sem ter qualquer politico na retaguarda, sem ter nascido com sangue azul, sem dispor de um único voto, inclusive o próprio, tendo em vista que voto em Fortaleza, as condições para o exercício daquela função. Sem qualquer hipocrisia, aquilo me foi uma grande surpresa.
Pelo conjunto dessas condições, a responsabilidade se exponencializava e aquela frase do prólogo do meu trabalho, que seria registrada nove anos depois, e os versos do poeta, se aguçaram mais no meu projeto de vida de então.
O desafio era enorme. Ajudar a desenhar um projeto estruturante de mitigação da pobreza do mais carente estado brasileiro e depois executá-lo. E construímos o Programa do Desenvolvimento Integrado do Maranhão (PRODIM) que incomodou muito a família poderosa do estado.
Que fez de tudo para inviabilizá-lo. E quase conseguiu. Mas a obstinação do Governador e a vontade dos maranhenses, fez com que o desejo da família poderosa fosse aniquilado e o projeto finalmente passou no Senado Federal, de onde precisaria ter o aval, tendo em vistas que os recursos viriam do Banco Mundial.
Tudo ia muito bem. Eu estava exultante com aquele trabalho. Olhos brilhantes. Energia contagiante. Uma equipe afinada que eu havia construído. Todos convergindo com aquele pensamento que eu não havia explicitado ainda como na frase que escrevi no meu trabalho de nove anos depois, mas que estava no ar. Todos lhe faziam a leitura.
Mas aquele 27 de setembro nos guardava uma surpresa desagradável. Contrariando ao que eu sempre fazia nas viagens, porque eu sempre ia na frente para preparar a ida do Governador aos município, naquele dia nós tínhamos que ir juntos no helicóptero porque o acesso às duas cidades que iríamos era muito difícil.
Saímos de São Luís às 8:30 para Bom Jardim. Em quarenta minutos chegamos por lá. Fizemos a entrega dos projetos numa quadra de uma escola que estava lotada de agricultores. Decolamos para São João do Caru, um dos municípios mais pobres do Planeta. Lá descemos no campo de futebol em torno de 11:30. Fomos em passeata para o pátio do colégio onde havia sido improvisado o local onde o Governador iria entregar os projetos. Por volta de 13:30 decolamos de volta no voo que seria direto para São Luís. Um dia muito quente. Ar rarefeito. No helicóptero estavam além do piloto, José Reinaldo, eu e o Capitão Santana, Ajudante de Ordem do Governador. O aparelho decolou e subiu presumíveis 250 metros (nunca saberemos exatamente a altura), e o motor da gerigonça estalou e perdeu força. Começamos a cair em queda livre. Expressões de pânico em todos nós. Mas ninguém se desesperou. Apostamos, acertadamente, na habilidade e pericia do piloto e numa série de fatores coincidentes que nos poupou a vida e de sequelas. Saímos todos ilesos daquela queda. Renascemos.
Daquele episódio foi possível retirar muitas lições. Uma delas, a mais evidente, é o quão somos vulneráveis. Projetos de longo prazo que acalentamos com tanto esmero podem desaparecer de repente com um infarto, com um câncer, num acidente fatal, ou num latrocínio…
Além dessas lições que se aguçaram, eu passei a valorizar mais cada minuto da minha vida. Continuo fazendo projetos de longo prazo, mas com a certeza de que podem não se concretizar. Aprendi também que não adianta viver objetivando acumular riquezas materiais. Seremos donos efêmeros quando, e se, as conquistamos. Somos inquilinos temporários deste belo planeta. Muitos de nós passaremos mais rapidamente. Outros demorarão mais um pouco. Mas todos nós teremos que deixá-lo um dia.
Será muito ruim, para os nossos entes queridos, se deixarmos rastros que eles não gostariam de reconhecer como sendo nossos. Fazer bem a quem nos ama e, mais ainda, a quem não conhecemos pode ser uma conquista difícil, mas que precisa ser fustigada. Acredito que precisamos agir assim. Sempre. Porque viver não é preciso…
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*Texto publicado no dia 24/09/2016 em O Imparcial.
1 Comentário
Professor Lemos, o sr. está corretíssimo. Ao pó voltaremos.