Paulo Henrique Matos de Jesus
Victorino Freire nasceu em Pernambuco, onde, na condição de tenente, apoiou o golpe de 1930, no Maranhão, sua história começa mais precisamente em 1933, quando chega àquele Estado, advindo de Pernambuco para assumir a chefia do gabinete do interventor Martins de Almeida, cumprindo funções burocráticas. Depois de uma fracassada tentativa de eleger parlamentares, no âmbito federal e estadual, viaja para o Rio de Janeiro, a convite do presidente Getúlio Vargas, para assumir um cargo na Câmara Federal e exercer o posto de Ministro da Viação e Obras Públicas. A influência de Victorino torna-se patente. Ele remete verbas ao Estado e nomeia aliados para cargos estratégicos. Victorino Freire retorna ao Maranhão na década de 40, a fim de articular a campanha do candidato a presidente, Eurico Gaspar Dutra, seu amigo pessoal. No Estado, passa a dirigir a política, em torno da qual é ele o maior nome. É nessa década que Victorino monta a sua trajetória rumo ao poder, exercido até meados da década de 60, quando José Sarney assumiu o controle do Estado. A ascensão de Victorino está vinculada às benesses que recebe do governo federal; a ausência de um grupo político que lhe fizesse oposição; bem como a sua articulação política em torno do principal partido nacional, o PSD. Estratégico, ele obteve uma consagradora vitória em 1945, elegendo os dois senadores do Estado e a quase totalidade da bancada federal, dando mostras do poder que exercia. Controlava inclusive, os poderes públicos e privados, como a justiça, a política, as repartições. Nomeava delegados de polícia, procuradores; elegia governadores, parlamentares. Exerceu tutela sobre políticos como Renato Archer, Saturnino Belo, Matos Carvalho e Eugênio de Barros. Dessa forma, exercia a “chefia” do Estado. Tinha influência junto ao presidente Eurico Gaspar Dutra, possuindo uma forte articulação com o centro da política nacional, além de manter aliança com chefes políticos locais, e de realizar freqüentes mediações entre os interesses econômicos do empresariado e do Estado. Foi um dos principais articuladores da campanha do General Eurico Gaspar Dutra à presidência da República e responsável direto pela organização do PSD no Maranhão. É dele a frase “vou ao Maranhão apertar as cangalhas”, que demonstra, de um lado, o desprezo pela população que o acolheu, e do outro, o poder de coronel, chefe autoritário, cacique, características imanentes ao victorinismo, além de influenciar na distribuição dos cargos públicos; de exercer o clientelismo; a cooptação política; o controle dos partidos e perseguir a oposição, Victorino usava as verbas públicas em benefício próprio. Veja o que diz Carlos Lima sobre o tema:
“O victorinismo caracterizou-se graças ao prestígio pessoal de Victorino nas altas esferas administrativas e junto aos figurões do país (prestígio que se conservou em alta e efetivo, passando de presidente a presidente, até sua morte e além dela) como uma época de grandes vantagens para o Estado, com o carreamento de vultosas verbas, que, se bem aplicadas, teriam dado ao Maranhão um grande progresso. Desviadas, porém, pelos amigos e correligionários, aos quais se garantia todas as imunidades e fornecia meio para aniquilamento dos contrários. Os próprios órgãos federais foram manipulados como instrumentos de vingança política e suborno, aos inimigos do governo tendo fechadas todas as portas, suspensos os créditos nos bancos oficiais, contra si todas as pressões da máquina administrativa, enquanto aos apaniguados era dispensado tratamento inverso e especial com todas as facilidades para todo tipo de fraudes e corrupções, desde as eleitorais até o escândalo da verba aplicada em hipotética ponte, que não passou de três ou quatro sapatas, tão mal assentadas que a maré deslocou. Mas os esfaimados gatunos tiveram ainda a desfaçatez de pleitear novos recursos para pintar a ponte, instruindo o processo com fotografias da obra”. (LIMA: 1981)
O poeta José Chagas assim versejou de forma crítica sobre a hipotética ponte¹:
A ponte assim
Só não pintada
Sem início nem fim
Se a ponte é feita de furto
Feita de nada
Torne a ponte furtacor
Foi inaugurada
Daí porque a ponte é isso:
Fotografada Arco-íris da ilusão
Comemorada
Sempre vista sem ser vista
Consagrada nos ares do Maranhão.
Victorino tinha tanto poder que conseguiu eleger para o senado, depois de uma grande manobra, Assis Chateaubriand, proprietário dos Diários Associados². Benedito Buzar narra esse fato da seguinte forma:
“Quando em 1954 Victorino se elegeu para o Senado, aconteceu um fato inesperado. Na Paraíba, o jornalista Assis Chateaubriand, proprietário da Cadeia Associada não foi reeleito senador. A derrota de Chateaubriand provocou um cataclismo no PSD, pois a presença dele (Assis Chateaubriand – Francisco de Assis Chateaubriand Bandeira de Melo nascido em Umbuzeiro município do estado brasileiro da Paraíba) no cenário nacional era crucial para a viabilização da candidatura de Juscelino Kubitschek de Oliveira à Presidência da República. Para o equacionamento do impasse, a solução viria do Maranhão. A Victorino foi confiada a missão de convencer o Governador Eugênio Barros a apoiar aquela candidatura a persuadir o senador Antonio Bayma (Antônio Alexandre Bayma, engenheiro nascido em Codó/Ma) a renunciar ao mandato”. (BUZAR: 2001, 20)
A greve de 1951:
O povo contra as fraudes
A “Balaiada de São Luís”, como ficou conhecida, a greve de 1951, foi o mais formidável movimento urbano da história do Maranhão. Representou movimento popular amplo, radical e heterogêneo que mobilizou a “massa urbana” revoltada com as práticas fraudulentas e coronelescas de Victorino Freire, cujas conseqüências foram marcantes. A greve de 1951 ocorreu num cenário de acirramento intra-oligárquico e girou em torno do poder exercido por Victorino Freire que havia corrompido o processo eleitoral garantindo a vitória de seu candidato, Eugênio Barros. O pano de fundo que ensejou a greve de 1951 foi a disputa dos grupos políticos pelo controle do Estado, numa época de ascensão de novas lideranças políticas no Maranhão, ameaçando o poder de Victorino Freire.
Uma dessas lideranças era de Saturnino Belo, ex interventor e vice-governador, até então, aliado de Victorino. Ele apresenta a sua candidatura às eleições de 1951, contra o candidato victorinista. Saturnino Belo era candidato das classes empresariais, conseguiu aglutinar no pleito, as siglas: PSD, PR, PSP, PL, UDN e o PTB, formando uma grande aliança partidária, em torno de sua candidatura, além de compor as “Oposições Coligadas”. Foi um dos principais protagonistas da greve de 1951. No entanto, desde 1950 tinha sido preterido pelo oligarca maior do Estado, quando, uniu-se às “Oposições Coligadas”.
Por outro lado, o candidato victorinista ao cargo de governador do Maranhão era o ex-prefeito de Caxias Eugênio Barros, que disputou a eleição pelo Partido Social Trabalhista – PST. O pleito foi cercado de expectativas e de denúncias de fraudes. Estava em jogo o poder de Victorino Freire no Estado. Aberta as urnas, o candidato das “Oposições Coligadas”, Saturnino Belo, saiu na frente, principalmente em São Luís. Estava ameaçada a vitória do candidato da oligarquia. Victorino Freire preocupado com o quadro eleitoral desvantajoso entra em cena: conseguiu anular via TER, 31 seções eleitorais, algo em torno de 16.000 votos, o suficiente para garantir a ultrapassagem de Eugênio Barros sobre Saturnino Belo e “vencer” o pleito com uma margem mínima de 6.000 votos.
A declaração do resultado pelo TER, acirrou os ânimos. A população de São Luís reagiu de forma violenta à posse de Eugênio Barros. Passeatas foram organizadas; piquetes e discursos inflamados foram feitos em praça pública; jornais foram empastelados; casas de juízes foram depredadas; até mesmo o prédio do TER foi queimado pelos rebeldes. Os “soldados da liberdade” agora iam à forra contra o poder fraudulento. Assim, o povo radicalizou suas ações, influenciado pelos oposicionistas.
Dentre eles estava, Neiva Moreira, fluente jornalista, líder do movimento, acusado injustamente de incendiar vários bairros como Caratatiua, Goiabal e Cavaco, provocando o desabrigo de centenas de pessoas, levando-as ao desespero. Este líder da greve de 51, era chamado de “Caramuru: Deus do fogo”.
Durante o desfecho do movimento, como estratégia, os rebeldes fecharam o porto de São Luís, diminuindo a oferta de alimentos no Estado. São Luís ficou totalmente paralisada por uma greve geral nos meses de fevereiro e março e posteriormente setembro e outubro. A morte do candidato das “Oposições Coligadas”, Saturnino Belo, ampliou os conflitos. Seu funeral foi acompanhado por aproximadamente 40 mil pessoas o que equivalia a 33% da população da capital.
Os ânimos se alteraram e as posições de ambos os lados tornaram-se radicais. Através da violência, as forças militares tentavam calar a multidão incontida. O conflito foi inevitável: houve mortos e feridos em praça pública demonstrando o despreparo policial e o desespero da oligarquia em abafar o movimento. Nem a vinda do Ministro Negrão de Lima e de tropas federais a São Luís, arrefeceram os ânimos. O poeta Nauro Machado, testemunha ocular, assim narrou a violência estabelecida na greve de 51:
“Mudo, antes o tiroteio comeu alto, roçou de ponta a ponta: a lei falou sua fala. Sim, a fala-força dos fuzis, das balas, não belas, amarelas. Bolos de mortos. Para se ir à morte não é preciso passaporte. Um quieto domina a Praça Dom Pedro II. Gente morrida matada, corpo sangrando, lares sem pais, filhos, tudo, a prostituição. As gentes estavam rebeladas: a corrupção, as velhas estruturas, o caciquismo e o sindicato da fraude. Universidade da fraude (A mão maquiavélica de Victorino. ‘Uma porca será eleita, até pro senado, se ele desejar’- diziam) assim chamaram”.
“- Escuta esta, fala baixo, dizem que foi muita gente enterrada viva, só com a perna quebrada, por exemplo, mas era ordem superior. Moradores dali de junto do cemitério de São Pantaleão contam que ouviam os gemidos, os apelos”. (MACHADO. In CABRAL: 2206, 02)
Em meio à crise, o deputado César Aboud, assume o cargo de governador até o julgamento do mérito pelo TSE. Apesar da forte reação popular, foi confirmado e diplomado o candidato victorinista Eugênio Barros. Em conseqüência disso, houve uma ampla mobilização popular contra a posse de Eugênio Barros, o que possibilitou uma intervenção federal do governo Vargas, através do Ministro Negrão de Lima acompanhado de perto por populares numa atitude de pressão de denuncismo. A intervenção promoveu inclusive o controle militar da capital, que foi ocupada por tropas do Ceará, Piauí, Pará e aviões da FAB, sob o comando geral do general Edgardino, comandante da 10ª Região Militar, que em represália ao movimento, impôs as seguintes determinações:
1. “Permitir reuniões públicas somente das 8 às 10h e das 17 às 19h, exclusivamente na Praça João Lisboa.
2. Proibir agrupamentos fora da Praça João Lisboa.
3. Proibir porte de armas mesmo as licenciadas.
4. Considerar como condição de hostilidade o porte de cassetetes, canos, pedras e outros objetos que possam servir para depredação.
5. Considerar desacato às suas ordens a propagação de boatos tendenciosos ou pregação de desordens, motins ou violências contra pessoas ou propriedades.
6. Proibir aos militares da ativa o uso de trajes civis durante o período de prontidão da tropa”. (MOREIRA: 1190, 43)
A estratégia adotada pelas oposições era o acirramento do conflito, com o apoio das camadas populares urbanas. A greve de 1951 tinha o apoio de trabalhadores, estudantes, classe média, políticos e até empresários, parte expressiva da população da capital que votará no candidato de oposição. Desse modo, enquanto as “Oposições Coligadas” obtiveram em São Luís, 20 mil votos, couberam apenas 3 mil sufrágios a Eugênio Barros, candidato victorinista. Nesse contexto, o movimento alcançara grande repercussão nacional e internacional, transformando-se numa campanha de libertação contra o jugo victorinista: era a “Balaiada Urbana”. São Luís passa então, a ser considerada a “Ilha Rebelde”, jargão que virou mito, bastante alardeado nas campanhas políticas da atualidade. Além de São Luís, houve atos de rebeldia em cidades como São João dos Patos, Coroatá e Grajaú.
É importante ressaltar, além da presença do trabalhador urbano, a grande contribuição das mulheres que tiveram participação expressiva no movimento, denunciando a fraude e coletando alimentos e dinheiro para minorar o sofrimento das vítimas dos incêndios, contribuindo inclusive, para garantir a permanência da população no processo de mobilização. O saldo mais triste da greve de 1951 foi o assassinato, pelas forças militares, de vários jovens sonhadores, dentre eles: João Moreno, João Evangelista de Sousa e José de Ribamar Prado, este último de apenas 17 anos.
*Este artigo foi extraido do livro”Conhecendo e Debatendo a História do Maranhão”(Joan Botelho)