José Lemos*
…vai experimentar o purgatório.
Há vinte e três anos eu, e algumas famílias, compramos imóveis financiados pela Caixa Econômica Federal no Jardim das Margaridas, Cohatrac. Bom lembrar que a compra se deu em 1988, época de grandes incertezas no Brasil. Inflação mensal em torno de oitenta por cento, estagnação econômica. O Governo da então Nova República estava agonizando, num dos períodos mais sombrios da vida econômica e social recente deste Brasil.
Assim, os imóveis estavam encalhados. A forma que a Caixa Econômica encontrou para “desová-los” foi apelar para os servidores públicos de classe média, acenando-lhes com reajustes de prestações de acordo com as variações salariais. Esta era a garantia que o Governo queria nos dar de que as prestações não assumiriam valores que não pudéssemos pagar. Acreditamos que a proposta era pra valer. Compramos os imóveis que eram modestos, construídos em terreno de trezentos metros quadrados, com acabamento de terceira categoria, estrutura e fundações bastante precários.
Cada um dos proprietários foi refazendo o seu. No meu caso tive que reconstruir a casa desde as suas estruturas, ao tempo em que amortizava o débito. Pagávamos mensalmente o boleto que a Caixa nos mandava regularmente.
Terminados os vinte e três anos do contrato de pagamento da casa, eis que nos chega um “convite” para fazermos um “acordo”. Segundo a Caixa, nós pagamos valores inferiores ao que estabelecia o mercado e, por isso, havia um saldo devedor que era, no meu caso, mais que o triplo do valor corrigido que eu havia pagado. E mais, a Caixa mandou uma equipe técnica que fotografou a casa, do jeito que ela está agora e estipulou um valor que, segundo eles, seria o do refinanciamento. Ou seja, compramos uma casa, pagamos as prestações que nos foram enviadas, a reformamos totalmente, com o nosso trabalho, e a Caixa se apresenta como dona do novo imóvel e se oferece para refinanciar. Uma gracinha!
Claro que ninguém aceitou aquele absurdo. Fomos para uma “negociação”. Eu vim de Fortaleza em setembro do ano passado e passei uma tarde inteira com uma junta de “conciliadores” que estavam ali para defender os interesses da Caixa. Já era noite, quando entramos num “acordo” em que eu entrei com o pescoço e a Caixa entrou com “lâmina afiada”. A alternativa para aquele acordo era eu entrar na justiça, pagar advogado e, com a “agilidade” da justiça no Brasil, somente Deus poderia antever o que poderia acontecer.
Transcorridos oito meses da quitação do imóvel, como moro em Fortaleza, vim para receber a liberação da hipoteca. Foi um salve-se quem puder. O tal documento teria que ser buscado na Agencia da Caixa que fica no Pop Center da Cohab. Cheguei lá na última segunda-feira, dois de julho, precisamente às nove e meia da manhã. Uma fila quilométrica começava dentro do pátio da Caixa (fechada, obviamente) e se estendia pelo lado de fora sob uma chuva insistente. Fui ao pátio verificar o tumulto e vi cenas de cortar o coração. Uma moça numa cadeira de rodas, com deficiências em todo o corpo, estava no meio daquela multidão suando, em vias de ter um enfarto. Senhoras idosas. Mulheres com crianças no colo, uma delas, com uma criança cheia de problemas mentais e físicos. E o guarda, um brutamonte colocado sob medida, ali na porta totalmente insensível. Insensíveis também estavam todos os funcionários que já estavam trabalhando, devidamente protegidos do contagio daquela gente carente. Contabilizei duas senhoras que me disseram que os respectivos pais estavam num taxi no estacionamento pago do shopping para provar que eles estavam vivos, para continuarem recebendo as aposentadorias de um salário mínimo.
Na entrada da Agencia reluzia sorridente, num enorme Banner, a Camila Pitanga sugerindo que ali estava o melhor dos mundos. Um escarnio àquelas pessoas humildes.
Eu apenas consegui entrar às onze e meia da manhã. Fui para o setor responsável pela tal liberação da hipoteca que tinha dois servidores. Sintomaticamente recebi a senha de numero treze (13). Não tive opção. Fui ser atendido às quatorze horas e trinta minutos. O rapaz que me atendeu, imprimiu papeis, carimbou e, candidamente, me disse que eu irei receber o documento que me liberta da Caixa, “provavelmente a partir do dia dois de agosto”, na Agencia da Caixa que fica próximo ao Estádio Nhozinho Santos. Lindo, não!
Ao lado do rapaz que me atendeu ficam três funcionários que atendem aqueles que querem abrir uma prosaica caderneta de poupança. Fiquei sabendo, pasmo, que aquela gente humilde que desejar poupar na Caixa Econômica Federal tem que deixar a documentação em um dia para abrir no outro. Ou seja, passar por todo aquele inferno em dois dias. Esta é apenas uma parte do Brasil maravilha que querem nos vender na mídia. E tem atores, como a Camila Pitanga que, infelizmente, se prestam para um papel desses.
===========
*Artigo publicado em 7/07/2012