José Lemos*
Falcão, humorista cearense, que escreve e canta músicas irreverentes, fez uma canção de titulo singelo “Oportunidade Única”, que ficou mais conhecida pelo refrão de chamamento da Caixa Econômica Federal (CEF) para atrair incautos que se aventurarem a comprar a sonhada casa própria financiada por aquele Instituição financeira que deveria se comportar como Fomentadora do Desenvolvimento.
A música do Falcão tem a seguinte passagem: “Financiamento da Caixa, e sem nenhum trabalho/ Siga o rumo da venta, ou então pegue um atalho/ E você chegará à casa do c…” . Se o que caracteriza esse destino for um conjunto de aborrecimentos e, para quem tem problemas cardíacos, a possibilidade de ter infarto, a mensagem faz todo sentido.
Este é o sentimento de quem, acreditando no chamamento, se aventurou a sonhar com a compra de um lugar para morar, sobretudo nos anos oitenta e noventa. Por aquela época a inflação brasileira estava turbinada em “honrosos” dois dígitos mensais, graças às farras fiscais feitas pelos governantes de então, como pode ser comprovado no documento da Câmara dos Deputados (por isso mesmo insuspeito) chamado de “Laboratório Brasil”. Por aquela época os servidores públicos federais, como eu, experimentávamos dois tremendos arrochos nos salários. Um decorrente da falta de reajustes e outro, muito mais dramático, devido à corrosão provocada pela hiperinflação em curso.
Ao final dos anos oitenta, eu e um grupo de pessoas que não se conheciam, resolvemos comprar a sonhada casa própria em São Luis. Eu precisava arrumar um lugar seguro para a minha mãe. Comprei uma casa no Cohatrac. O contrato estabelecia que os reajustes das prestações teriam que seguir a “equivalência salarial”. Aquela foi a motivação que levou a mim, e a tantos brasileiros assalariados, a tentar adquirir o sonho da casa própria. As regras estipuladas pela CEF, repercutindo o que estabelecia a política do Governo, estabeleciam um teto para as prestações, de sorte a limitar o comprometimento da renda dos mutuários com o item moradia. Fundamento correto.
Ao longo de vinte e três (23) anos, que era o período pactuado do financiamento do imóvel, mensalmente a CEF enviava os boletos que pagávamos rigorosamente nos períodos estabelecidos. Imaginei na época que o comprei, em que eu era bastante jovem, que ao cabo daquele período, ainda vigoroso, teria quitada a casa na minha terra, com a minha mãe bem velhinha morando nela. Infelizmente a minha mãe não está mais conosco, mas eu consegui sobreviver e, como previa, cheguei ao final do prazo de pagamento inteiro, com vigor, pronto para usufruir o “meu imóvel”.
Ledo engano. Agora começaria um grande pesadelo. A CEF, aquela do chamamento, me diz que tenho um saldo devedor que equivale a mais de quatro (4) vezes o valor que paguei até aqui. Diz ainda que eu “paguei prestações baixas”, ou seja, que eu, e todos aqueles que compraram imóvel sob aquelas regras estabelecidas pelo governo, surrupiamos a entidade. O sentimento que nos foi passado é que cometemos ilícitos durante todos esses anos. O programa de equivalência salarial, que era o chamamento de então, através da propaganda “Vem Prá Caixa Você Também” não era para valer. Uma completa inversão de responsabilidades.
Chamaram-nos nesta segunda semana de setembro para o que eles denominam de “reunião de conciliação”. Ali o que percebemos é uma seqüência de ameaças. Primeiro dizem que reavaliaram o imóvel. As benfeitorias que fizemos ao longo do período, com os nossos recursos e sacrifício, entram na avaliação, e por isso, no valor que nos cobram agora. Aceitando o acordo com eles, as benfeitorias feitas no imóvel, que já foram pagas no passado com muita dificuldade, agora serão novamente pagas para a CEF. Lindo, não!
No período de “conciliação” havia membros do Poder Judiciário que, supostamente estariam ali para mediar o conflito de interesses. Mas a mediação deles, estava mais para acolher a determinação da CEF, do que os interesses dos mutuários. Todos os argumentos dos mutuários eram rebatidos pelos representantes da Caixa, sempre com o aval dos membros do poder judiciário. Claro que num clima desses, haveria pessoas que passariam mal. Não foi diferente.
Depois de um processo desgastante, em que sempre nos é lembrado que ou faríamos o “acordo” ou a Caixa poderia tomar o imóvel, com base no tal saldo devedor, eu fui obrigado a fazer um “acordo” em que pagarei em sessenta (60) dias um valor muito superior àquele que paguei ao longo de 23 anos. Naquele ritual macabro, quando o mutuário se curva aos “argumentos” dos seus algozes, há uma seção de aplausos. Ou seja, ainda tripudiam sobre nós. Falcão está coberto de razão.
=======
*Professor Associado na Universidade Federal do Ceará.