José Lemos
As vaquejadas, tão celebradas aqui no Nordeste, fazem parte de um conjunto de atrocidades contra os animais, que inclui as touradas, os rodeio, as rinhas de galo e outras manifestações da violência extrema que nós, humanos (os “racionais”), somos possuidores no DNA ou a desenvolvemos ao longo das nossas vidas.
Dois sujeitos montados em dois cavalos estressados correm cercando um touro que é solto enlouquecido e sem rumo numa arena, sem ter por onde escapar, e ainda tendo que ouvir os gritos de uma plateia extasiada, embevecida, delirante.
Plateia que atinge o “orgasmo” (estranha forma de sentir prazer) quando um dos cavaleiros consegue deixar o touro, que corre alucinado querendo se livrar daquilo, sem condições de evitar que o outro cavaleiro lhe alcance o rabo, puxe-o com violência, jogando-o ao chão da arena. Essa é a apoteose da multidão que pagou para assistir àquelas demonstrações de como somos brutos, atrozes, arrogantes, maldosos, cruéis…
O rabo dos animais é uma extensão da coluna vertebral. Nós humanos temos essa parte atrofiada. Qualquer violência sobre essa porção do corpo provocará dores terríveis e estragos irreversíveis no organismo do animal. Mas isso não importa para aquela multidão de “racionais” que se diverte ao som do ronco doloroso do animal nocauteado daquela forma. Êxtase geral celebrado com fartas doses etílicas…
Há outras formas de manifestações “esportivas” que consistem em violência contra os animais. Cita-se a rinha dos galos, em que as pessoas se divertem colocando-os num pequeno espaço para brigarem até que um animal mate o outro, para deleite do dono do galo “assassino” e para a frustração do proprietário do galo que foi mais trucidado até morrer sob os olhos brilhantes e os aplausos de outro tipo de “galera”, tão cruel e violenta como a que assiste, aplaude e vibra com vaquejadas, touradas, rodeios.
Há seres “racionais” que prendem passarinhos em gaiolas para os verem cantar de tristeza. E acham o máximo exibirem os seus “troféus” em momentos de exposições onde encontram pessoas que partilham das mesmas volúpias atrozes. No caso dos passarinhos engaiolados, tão logo são caçados e colocados naqueles cubículos, os violentos gaioleiros, não conformados em privar os animais da sua liberdade, cercam as gaiolas com um pano para vedar-lhes a visão do mundo exterior. Isso faz com que o animal fique “manso” mais rapidamente. Claro. Ao contrário do idiota que se apropriou indevidamente dele, e que o colocou ali, o passarinho tem a inteligência de logo perceber que não adiantará espernear, voar de um lado para outro, dentro daquela cadeia a que foi condenado por ter cometido os “crimes” de nos encantar com o seu canto e encantar as nossas retinas com a beleza do seu voo e plumagem quando solto.
As vaquejadas no Nordeste são inspiradoras de “compositores” que fazem daqueles atos de violência uma excelente fonte de ganhar muito dinheiro. Fazem “músicas” que trazem para as relações afetivas, a brutalidade violenta que é praticada nas “arenas” onde se maltratam os animais.
São versos estimulantes do machismo chauvinista. Em geral cantadas em vozes esganiçadas e horrorosas, por “cantores” de “Bandas de Forró”, sem qualquer preocupação estética, poética ou melódica. Mas com elevada apelação erótica explicita. E de mal gosto. Apelações que já se manifestam nos nomes dessas “bandas”. E chamam isso de “manifestação cultural”.
Acertadamente o STF decidiu, pela maioria dos seus Juízes, neste 6 de outubro, que a prática da vaquejada é ilegal. Derrubando uma lei que os Deputados do Ceará, com tantas demandas a atender, haviam decretado, como “atividade esportiva”.
Contra a medida, logo apareceu um monte de gente. Inclusive políticos cearenses, dentre os quais um dos seus senadores que, montado num cavalo, disse que irá fazer reverter a determinação do STF no Congresso Nacional. Fiquemos de olho nele e nos demais políticos que apoiarem essa ideia. As eleições de 2018 estão ai na esquina.
Vi na mídia que haverá uma manifestação em que aqueles que fazem da vaquejada fonte de renda, decidiram ir para Brasília protestar contra a determinação do STF. Até ai, nenhum problema. Faz parte da democracia. Agora a forma que encontraram para fazer isso demonstra total falta de sensibilidade: irão montados em cavalos de Fortaleza até Brasília. E falaram isso como se estivessem com o melhor procedimento deste mundo. Sequer conseguem disfarçar os instintos maldosos.
Enquanto existir vaquejadas, touradas, rodeios, passarinhos engaiolados, rinhas de galos, maltrato de animais de rua, gente abandonando animais que um dia disseram ser de sua estimação, somos obrigados a acreditar que o Criador, do alto da sua enorme sabedoria, cometeu um grande equivoco ao colocar os seres humanos entre os ocupantes da Terra. Definitivamente nós não servimos para conviver com os demais habitantes deste belo Planeta Azul. Somos os algozes de todos os outros ocupantes desta Nave.
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*Professor Titular e Coordenador do Laboratório do Semiárido (LabSar) na Universidade Federal do Ceará.