José Lemos
Em 1996, depois de dois anos (1994 e 1995), eu havia voltado dos EUA do meu último treinamento e também da condição de Visiting Scholar na Universidade da Califórnia em Riverside. Convidado, pedi licença na UFC para ficar um ano como Professor Visitante na Universidade Estadual do Maranhão (UEMA).
Com bolsa de Pesquisador da Fundação de Amparo à Pesquisa do Maranhão (FAPEMA) eu, e mais cinco professores, criamos o curso de Mestrado em Agroecologia em maio daquele ano. O primeiro curso de Pós-Graduação stricto senso da UEMA. Fiquei como Professor Visitante naquele ano e depois como Colaborador à distância, lecionando disciplinas de forma compactada e orientando Dissertações. Foram meia dúzia delas. Fiquei nessa condição até 2004. Em 2005, como Secretário de Estado, orientei mais duas que foram defendidas naquele ano e em dezembro de 2006.
Naquele ano (1996) uma entidade que trabalha com agricultores familiares extrativistas de babaçu, a Associação em Áreas de Assentamento no Estado do Maranhão (ASSEMA), me alcançou na UEMA e me pediu para eu desenhar um projeto de pesquisa que poupasse a eliminação de babaçuais, uma palmeira que tem enorme importância econômica e social para as famílias rurais maranhenses. A entidade tem sede em Pedreiras e atua nas áreas dos cocais que são influenciadas pelo Rio Mearim.
A ASSEMA presta assistência no Centro do Coroatá, um projeto de assentamento de reforma agrária situado no município de Esperantinópolis. São 32 famílias, cada uma com lote de 14 hectares. Alguns lotes em áreas acidentadas.
O crescimento das famílias com a vinda dos filhos, depois dos genros, noras, netos, faz com que a terra por pessoa vá diminuindo. Devido às práticas de derrubar os babaçuais, e a consequente limpeza das áreas usando fogo para colocar lavouras anuais de arroz, feijão, mandioca e milho, a degradação do solo era evidente. E isso acelerava a regressão da área produtiva por pessoa. Essa já era a realidade que encontramos.
Então imaginamos um projeto de pesquisa, que seria executado nos lotes dos próprios agricultores. Selecionamos doze que demonstravam maior capacidade de assimilar novas ideias. Solicitamos deles que cedessem uma linha (aproximadamente 1/3 de hectare) dos seus lotes, e eles mesmos fossem os executores do projeto, sob a nossa orientação. A ideia era cultivar as lavouras de arroz, feijão, mandioca e milho sob a sombra de babaçuais. Eu tive um orientado de Mestrado em Agroecologia, o Frazão, que sabe tudo de babaçu, a quem ouvi antes de decidir testar três densidades: 40, 60 e 80 palmeiras por hectare consorciadas com as lavouras.
Para o desbaste das palmeiras que excediam aquelas densidades nos lotes, eu orientei que faríamos eliminando as senescentes, as de menor produtividade, e observando a trajetória do sol, para reduzir ao mínimo o sombreamento provocado sobre as lavouras. As áreas não seriam queimadas. Os restos de culturas que eram eliminados para a limpeza das áreas eram “enleirados” para serem incorporados ao solo.
Os 12 agricultores do grupo experimental faziam as práticas. Os demais agricultores que não participaram do experimento tinham as suas áreas como grupo de controle, como usamos no linguajar experimental. Os resultados no grupo experimental eram confrontados com aqueles obtidos pelos demais agricultores do assentamento.
Com recursos do Ministério da Agricultura e de uma Agencia Internacional, pagávamos diárias aos agricultores que cederam as suas terras. Foi a forma que encontramos para convencê-los a participar do experimento. Até porque todos ficaram céticos com aquelas “ideias exóticas” para eles, que diferiam totalmente do que fazem normalmente. Chamaram logo de “Lavouras cruas”, até de forma pejorativa.
A grande sacada do experimento, na minha avaliação, era fazer o aproveitamento integral do babaçu: Amêndoas, mesocarpo e endocarpo. Até então apenas as amêndoas (7% do peso do fruto) eram aproveitadas. A amêndoa pode servir de matéria prima na produção de sabonete, produtos de beleza, biodiesel e de óleo comestível. O mesocarpo é uma substância amilácea que pode ser usada na confecção de bolos e mingaus saborosíssimos. Escolas municipais podem adquirir para produzir merenda escolar. O endocarpo tem poder calorifico bastante superior ao da madeira e pode ser usado como carvão de forma sustentável: sem derrubar árvores.
O experimento durou oito anos. Eu ia numa frequência mensal daqui de Fortaleza para inspecionar o andamento dos trabalhos. O executor era o Ronaldo, um Técnico Agrícola muito competente da ASSEMA, que era concludente de Agronomia.
Os resultados mostraram que é possível aquele tipo de atividade. A melhor densidade encontrada foi a de 80 palmeiras por hectare. Com ela, os agricultores podem ter renda que chega a mais de dois salários mínimos anuais por hectare, em contraste com as práticas usuais que não rendem um salário mínimo por hectare. Para alegria minha, e dos amigos da ASSEMA, as “lavouras cruas” hoje fazem parte da realidade das áreas dos Cocais, e as palmeiras de babaçu estão sendo poupadas. Escrevi um artigo científico relatando a experiência. Acabo de receber a confirmação de que o artigo será publicado no primeiro número deste ano da Revista de Politica Agrícola da EMBRAPA.
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* Artigo para o dia 23/06/2018.