José Lemos
A Copa do Mundo de 1994 aconteceu nos Estados Unidos. Naquele ano eu morava por lá. Tínhamos um grupo de brasileiros que se reunia num bar para assistir às partidas que eram disputadas sob o calor escaldante do verão americano. Na época eu estudava em um dos dez Campi da Universidade da Califórnia, localizado na cidade de Riverside, sul daquele rico estado americano, distante uns sessenta quilômetros de Los Angeles.
Havia chegado ao País no começo do ano e tive a oportunidade de observar como a Copa foi organizada. Em nenhum momento os cartolas da FIFA, ao menos em sonho, tentaram interferir na forma como o Governo daquele País iria encaminhá-la. Não passou no Congresso Americano qualquer “Lei da Copa”, liberando, por exemplo, bebida alcoólica nos estádios, sumariamente proibido. O Governo Americano, na época presidido por Bill Clinton, não colocou um único centavo naquele evento. Coitado dele se o fizesse. A população e até o seu partido, Democrata, lhes cortariam o pescoço. Os americanos não conseguiriam imaginar o BNDES de lá colocando dinheiro público para construir “arenas” suntuosas mesmo se houvesse a promessa de retorno desses investimentos. As prioridades com o dinheiro de quem paga imposto lá são bem mais sérias. Boa parte dos estádios onde se realizaram as partidas foram adaptações daqueles de futebol americano.
Os americanos têm quatro grandes feriados: Natal, Virada do Ano, Dia da Ação de Graças (Thanksgiving Day) comemorado na penúltima quinta-feira de novembro. O dia da Independência (Independence Day), celebrado no quatro de julho, é o quarto desses feriados. Naquela Copa a seleção de futebol americana cruzou com a brasileira nas oitavas de final, exatamente em quatro de julho. Aquele dia foi feriado porque normalmente é assim por lá, não porque a seleção fosse jogar. Sob um calor infernal a seleção brasileira ganhou de um a zero, eliminando os americanos da copa. O mundo não desabou por isso para eles, e a vida seguiu. Nessa fase da copa, há times eliminados e os que seguem.
A partida final contra a Itália aconteceu no estádio Rose Bowl em Pasadena, Califórnia. E eu estava lá com o meu filho, Marcelo, então adolescente. Uma tarde quentíssima em que a seleção Brasileira venceu na cobrança de pênaltis. Depois do jogo os brasileiros tentaram fazer carreatas pelas ruas e avenidas da cidade e a policia reprimiu. Os mais afoitos foram presos e levados para se explicarem onde deve explicações quem transgrida regras no País. Lá é terminantemente proibido este tipo de manifestação.
No Brasil se promove uma Copa em que o dinheiro público é esbanjado a rodo, sem qualquer limite. Lula, ‘que inventou de inventar toda esta escuridão’, em recente declaração disse para todo mundo ouvir que quando requereu a copa para cá não se importava quanto ela custaria. Uma grande ‘sacada de estadista’. Construíram-se as tais “arenas” (que serão assim consideradas, ao pé da letra, caso a seleção brasileira não ganhe a copa) com o nosso dinheiro. As obras de mobilização não saíram. O prometido “trem bala” nunca passou de um delírio da presidente. Ainda bem que não passou disso. Não faltarão ‘elefantes brancos’ para a posteridade. Grandiosas obras inúteis onde enterraram nosso suado dinheiro e ceifaram vidas inocentes de operários humildes durante a sua construção.
Outro legado doloroso da copa no Brasil é anônimo. Ninguém fala dele porque envolve gente muito pobre. Aqueles que tiveram que sair dos locais onde sempre moraram, receberam ‘indenizações’ simbólicas e, sabe lá meu Deus, por onde foram parar. Sem os conhecidos, sem as referencias. Somente sabe o que isso significa quem experimentou na pele um drama como este. Quando eu era bem garoto em São Luís, mas já conseguindo entender das coisas, a nossa casinha, juntamente com as outras, com o mesmo nível de carência, que ficavam na “Rua da Mangueira”, um beco situado adjacente ao “Caminho da Boiada”, tiveram que sair, para que a atual Avenida Kennedy fosse construída. Os meus pais receberam uma “indenização” que não dava para comprar outra casa, mesmo com as deficiências da nossa. Meu irmão mais velho, já então funcionário do Banco do Brasil, intercedeu e nos comprou uma casa no Bairro da Liberdade. A mamãe, já não tão nova, deixou para trás todas as referencias. Havia um cajueiro bonito em que eu subia junto com os meus colegas. A nossa, e todas as famílias que moravam ali, experimentaram aqueles dramas: pouco dinheiro para comprar outro lugar para morar e falta de identidade no local para onde fomos despejados. Este é o termo. Não tem outro. Ali era tudo muito pobre, muito carente, mas tínhamos convivência com vizinhos que conhecíamos. Havia calor humano, afeição ao ambiente. Coisas simples, que gente rica não sabe, ou não quer saber. De repente todos tivemos que recomeçar a vida em locais diferentes, bem longes daquele que era humilde, mas que gostávamos. Não saímos dali pelas nossas vontades. A Copa no Brasil desabrigou um monte de gente assim nas cidades-sede. O montante das fajutas “indenizações” que receberam, nem de longe, “arranha” o mundão de dinheiro esbanjado nas “arenas”, nas obras inacabadas e na corrupção. Mas a FIFA disse como era para fazer. O Governo Brasileiro e o Congresso aquiesceram. Baixaram a cabeça. Faremos “a maior copa de todos os tempos”. Pobre Brasil! Neste episódio, não conte com a minha torcida.
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Artigo Publicado em O Imparcial do dia 24-05-2014 e no Jornal Pequeno do dia 25-05-2014