Caio Lóssio Botelho*
O Brasil é um País privilegiado no que tange à interligação de bacias hidrográficas. Ligações das Principais Bacias Hidrográficas no Brasil :
Canal natural de Cassiquiere interliga as bacias do Amazonas com Orinoco.
As lagoas Comprida e Capitão Agostinho interligam a Bacia do Paraguai com o Amazonas.
As lagoas de Varedão e Jalapão interligam as bacias do Tocantins – São Francisco – Parnaíba.
A interligação do sistema hidrográfico do Nordeste brasileiro poderá ser feito através de três alternativas:
1ª – Interligação do rio Tocantins com o rio São Francisco via LAGOA DE VAREDÃO, nos limites dos Estados da Bahia e Tocantins, em área de terreno altamente poroso formado de calcário, onde dutos subterrâneos interligam à referida lagoa recebendo águas da bacia do Tocantins (rios Sono e Novo), lançando-as nos rios Sapão, Preto e Grande, da bacia do São Francisco .
O Engenheiro GILVANDRO SIMAS PEREIRA destaca o seguinte:
No divisor d’água São Francisco – Tocantins há várias nascentes do seu subsolo, o que evidencia claramente a continuidade do grande lençol d’água subterrânea;
A infiltração das águas dá origem à formação e também a interligação de imensos rios na região, como os rios Sono, Preto, Grande etc.
Aqui é comum a presença de grandes alagadiços, sempre em baixadas, é aí, nestes grandes pântanos ou brejos, que a água começa a correr até formar grandes “canyons” onde estão localizadas as principais lagoas desta região.
É interessante destacar que nas depressões onde se assentam alguns lagos, como Varedão, a força com que a água é expelida é tão grande, que ninguém conseguiu até hoje alcançar o fundo da lagoa, pois a pressão da água que flui é tão forte, que empurra qualquer corpo para cima;
Na região há inúmeras ligações subterrâneas. Um braço dos rios Sapão, Preto, Grande (São Francisco) se interliga subterraneamente com a bacia dos rios Sono, Novo (Tocantins).
Na região do divisor d’água Tocantins – São Francisco, 652 m de altitude na sua porção oriental, há uma tendência geral dos subafluentes do primeiro (Tocantins), a serem capturados pelos afluentes do segundo (São Francisco). Aí a erosão regressiva ou lateralconstatada no sistema Tocantins tende a levar a captura de águas dos subafluentes desta bacia semi – amazônica, invertendo, portanto, seu curso (para a bacia do São Francisco) que tinha outro destino. Existe aí uma desordem aparente dos fenômenos hidrográficos que lembra os elementos contraditórios da Psicologia individual; no entanto, a região encontra-se sujeita a leis hidrográficas e isostáticas já conhecidas pela ciência em seus dispositivos gerais.
Retornamos àquela região, em setembro de 1998, e tivemos a oportunidade de constatar a vazão do rio Tocantins, via subafluente Sono e afluente Novo, através da lagoa de Varedão, os quais deságuam para o São Francisco, com um débito de aproximadamente 89 a 110 m3/s. Como vemos, a bacia do São Francisco se interliga com o Tocantins, por intermédio da lagoa de Varedão via subafluente Sapão, afluente do rio Preto e tributário do rio Grande. O Atlas do Barão Homem de Mello (1885) é o único mapa que conseguimos com a localização da lagoa de Varedão.
2ª – Interligação do rio Tocantins com o rio Parnaíba através da LAGOA DE JALAPÃO, no divisor d’água do Tocantins com os afluentes maranhenses do rio Parnaíba.
Afirma ODILON DE LIMA JR, que se fosse construída uma adutora partindo de Carolina, no Estado do Maranhão, levasse as suas águas até o Riachão, que distando dali cerca de 50 km a oeste, e em seguida estas águas fossem transferidas para os afluentes maranhenses do rio Parnaíba. A torrente atingiria a barragem de Boa Esperança, no Piauí. Há 350 km abaixo, seria construídaoutra adutora de 300 km, até a Chapada do Araripe, onde seria também construídos grandes reservatórios, que por gravidade, suas águas seriam distribuídas diretamente para os Estados do Piauí, Ceará, Paraíba, Pernambuco, e através de desvios, para o Rio Grande do Norte, evitando assim, qualquer confrontação com os Estados da Bahia, Sergipe e Alagoas.
3ª – Esta alternativa de autoria do Engenheiro THEÓPHILO BENEDICTO OTTONI NETTO consiste segundo o Engº PEDRO NEY S. PEREIRA, no desvio para o rio São Francisco de uma fração constante da DESCARGA REGULARIZADORA DO RIO GRANDE, (afluente do rio Paraná) na altura da represa de Furnas, através da barragem auxiliar de Pium – I , no Estado de Minas Gerais. Esta barragem auxiliar materializa um divisor d’água artificial entre as bacias do Rio Grande e do São Francisco, situados cerca de 30 metros acima do divisor d’água natural, atualmente existente. Com esta barragem auxiliar, o rio Pium – I, originalmente um afluente do rio Grande, teria seu fluxo natural alterado, elevando o nível de suas águas ao ponto de poder descarregá-las para a bacia do São Francisco. Portanto o rio Pium – I tornar-se-ia assim, artificialmente, um afluente do São Francisco. Esta mudança na morfologia natural teria inclusive consequências de ordem legal e administrativa, visto que os Municípios de Capitólio e Pium antes banhados pelo rio Pium mas não pelo São Francisco.
O objetivo técnico da barragem auxiliar de Pium – I foi o de ampliar artificialmente o volume da bacia hidráulica da Represa de Furnas, visando a transposição para o São Francisco. Esta alternativa nos livra das restrições dos Estados da Bahia, Sergipe e Alagoas.
Finalmente, convém destacar que, a transposição de bacias hidrográficas extra – nordestinas para o Semiárido equatorial brasileiro, se faz necessário pelas seguintes razões:
O Nordeste Semiárido (sertão) e o Ceará só aproveitam 8% (oito) das chuvas caídas, para alimentar nossos rios, lagos, açudes, sistema de drenagem etc., em face a elevada insolação, evaporação e evapotranspiração, que levam 92% das águas caídas, enquanto que o Semiárido dos Estados Unidos, e Israel perdem apenas 45%. O fenômeno da seca é a normalidade do nosso clima. Enquanto as regiões Semiáridas das zonas temperadas têm quatro instrumentos de água (geada, nevada, granizo e chuva), o Nordeste Semiárido equatorial tem apenas um instrumento de água : a chuva.
Um levantamento da variação pluvial no Estado do Ceará, a partir de 1926, a sua curva estatística denota, até 1999, (73 anos) claramente, uma diminuição dos índices pluviais no espaço cearense
No Ceará, a zona do sertão se despeja diretamente no mar. Aqui inexistem as zonas da mata (a mais rica do Nordeste) e o agreste. Por isto, a melhor técnica de irrigação é a de gotejamento, porque evita a salinização do nosso solo .
É aqui onde a zona equatorial do Planeta, o clima mais se anomalizou, pois estamos numa latitude idêntica à do Amazonas, Congo, Indonésia, área super-úmida, e, no entanto, o Ceará, apesar de sua equatorialidade, apresenta um rígido clima Semiárido. Ressalte-se que o sertão (derivado de “desertão”) não é tropical.
A nossa vegetação predominante é a caatinga que, do ponto-de-vista florístico, é apenúltima forma biofísica, antes do aparecimento do deserto. Por isto, o Ceará é o melhor laboratório para a investigação sobre o Semiárido e o processo de desertificação; ela retém 30% das chuvas, impedindo ainda o assoreamento de 20% dos rios e açudes.
A vegetação, embora que não economize as águas, no entanto, regulariza o ciclo da chuva. Daí a importância do reflorestamento nesta área, com vegetação do tipo galeria ao longo dos rios, lagos e açudes.
A agricultura sempre foi aqui mais uma solução sociológica do que econômica (até os dias atuais), tendo em vista o alto grau de absorção de mão-de-obra na agropecuária .
Nunca tivemos um ciclo econômico expressivo, como o do açúcar da Zona da Mata (Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Bahia) e Pólo Econômico, que pudesse concorrer com o Pólo Petroquímico da Bahia, o mais rentável do Nordeste.
Na atualidade, o Pólo Econômico de Salvador e, consequentemente, toda a Bahia, tendem a aumentar a sua polaridade econômica, mercê das maiores facilidades de transportes e maiores ligações funcionais ( turismo, mercado de capitais, grupos empresariais e alta industrialização), não só no mercado nordestino, brasileiro e internacional. Hoje, Salvador é um grande centro de decisão nacional e regional; por isto devemos nos conscientizar de que os problemas nordestinos devem ser analisados dentro dos desníveis interregionais.
Pelas nossas peculiaridades – ecológicas, climáticas, pedológicas, fitogeográficas – não podemos nos valer de “know-how” de áreas de clima Semiárido situadas em zonas temperadas e subtropicais, como os Estados Unidos, Israel, Marrocos. Temos sim de criar um “know-how” próprio, fruto das nossas experiências, derrotas, vitórias, isto é, nossa conjuntura e estrutura peculiares.
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*Geografo. Professor Aposentado da Universidade Estadual do Ceará.