José Lemos*
Em 1994 eu morava nos Estados Unidos, estava a trabalho na Universidade da Califórnia e em busca da minha última titulação acadêmica. Na tarde do dia 17 de junho daquele ano, as televisões americanas pararam as suas programações para o que eles chamam de “Break News” (edição extraordinária dos telejornais).
A motivação era uma caçada, em plenas avenidas amplas de Los Angeles, feita pela policia americana por cima, via helicóptero com policiais, armas e câmeras e, por terra, por pelo menos cinco viaturas de policiais armados com rádios do tipo “walk talkie”. O “caçado” era o ex-jogador de futebol americano, O.J. Simpson em fuga no seu carrão do tipo furgão. Ele estava sendo acusado de ter assassinado a facadas a sua ex-esposa, Nicole Brown, e o seu amigo (dela) Ronald Goldman, quando saiam de uma casa noturna no dia 13 daquele caloroso mês de junho em Los Angeles.
O.J. Simpson é negro. Fez fortuna como jogador de futebol americano. Estava no apogeu dos seus 47 anos, porte atlético, herança das atividades esportivas com que ganhara a vida antes de se aposentar e se aventurar em participações, sem muito talento, em “pontas” de trabalhos em televisão e em cinema. Conseguira devido à fama que havia conquistado como esportista famoso e de ter grande apelo popular nos EUA.
Aquelas cenas cinematográficas duraram ao menos uma hora, tudo mostrado ao vivo pelas televisões e prendendo milhões de pessoas diante das telinhas, inclusive este “locutor que vos fala” Decorrido aquele período de caça por cima e pela terra, o acusado, percebendo que não haveria como escapar do cerco, resolveu se entregar, não sem antes negociar, via rádio, com os policiais. A negociação incluía ele se entregar e não passar pelo constrangimento de ser algemado.
As provas contra ele eram bastante robustas. O passado dele, que foi esmiuçado, mostrava ser ele um homem violento que, inclusive já havia espancado a ex-mulher, que era branca e bem mais jovem do que ele. O maldito conflito racial que macula a sociedade americana e tantas outras. E naquela noite ela estava em companhia de um rapaz branco, bem mais moço do que ele. Caldo de cultura perfeito para um homem ciumento e violento prover vazão aos seus “sentimentos mais primitivos” (créditos para o ex-deputado Roberto Jefferson, de reputação não muito ilibada).
O crime foi ao júri, no que foi considerado nos EUA como o Julgamento do Século. Ele contratou uma banca de “causídicos” (esse termo eu acho ótimo) que eram os mais caros do País. Os “Attorneys” (advogados da defesa) que, obviamente, sabendo da fortuna, do prestigio do cliente, da complexidade do caso, “foram fundo” (para leitores inteligentes como os meus, duas palavras bastam).
A querela maior nos debates entre os “Attorneys” e os membros da “Prosecution” (Promotores) era retirar ou manter nos autos do processo as manchas de sangue que foram encontradas no carro dele na cena do crime. Os advogados de defesa alegavam que aquelas manchas haviam sido “plantadas” no carro do acusado. Só não provaram por quem. Por isso não queriam que elas constassem do processo. Os acusadores, claro, queriam que aquelas provas cruciais para o esclarecimento e julgamento do crime fossem mantidas nos autos para efeito do julgamento.
O Juiz que comandava as longas seções, vejam só, manipulava claramente para que a postulação dos advogados de defesa prevalecesse. Lembrando que essas seções (também nos EUA) são sempre repletas de falatórios com aqueles vocabulários rebuscados que ninguém entende, mas que fazem parte por isso mesmo. O objetivo é esse. Evitar que os mortais comuns entendam algo do que dizem aqueles vetustos senhores vestidos naquelas roupas medievais que lhes dar aquele ar de deuses terrenos. E engravidados de nove meses de “modéstia às favas”. Frase célebre que Rui Barbosa, por exemplo, não ousaria pronunciar. Mas esta é outra questão de princípios.
O corpo de jurados acatou os argumentos dos advogados de defesa e das manobras ágeis do Juiz que comandava aquelas seções e absolveu O.J.Simpson, no dia 3 de outubro de 1995. Naquele dia o País parou para ver a sentença final que seria dada ao famoso réu. Até Bill Clinton parou o seu trabalho para assistir. O réu foi absolvido, mas os “Attorneys” lhe levaram toda a fortuna. Se existe algum consolo, ele ai está.
No Brasil do momento presenciamos algo muito parecido. Há um conjunto robusto de provas que condenam aqueles que ganharam a eleição para a Presidência e Vice Presidência da República em 2014. A grande querela, “as manchas de sangue no furgão” já nem são manchas. Jorram pelo terreno fétido que se tornou a politica no Brasil. Os “Attorneys” de cá, com a colaboração de Juízes, querem que essas “manchas de sangue” não façam parte dos autos. E parece que prevalecerão as suas manobras.
Estamos numa safra boa para os “Attorneys” tupiniquins. Lavarão as burras, como nunca. Estão nem ai para as fontes da montanha do “vil metal” que lhes irriga as contas de forma generosa. Todos eles constroem os mais retorcidos caminhos para que os seus ilustres clientes não sejam transitados n(em) julgados pelos crimes que cometeram. O consolo que restou da absolvição de O.J.Simpson, que ficou pobre depois do julgamento, porque entregou toda a fortuna para os seus “Attorneys”, não teremos por aqui. Logo os atuais, e futuros réus, de colarinhos brancos estarão flanando de novo.
==============
*Professor Titular e Coordenador do Laboratório do Semiárido (LabSar) na Universidade Federal do Ceará. Artigo publicado no dia 10/06/2017.