José Lemos
O Relatório Brundtland de Desenvolvimento Humano das Nações Unidas, realizado em 1987, em Oslo, Noruega, teve como preocupação central a consolidação do conceito e a implantação do desenvolvimento sustentável. Pode-se até considerar aquele seminal Relatório como um divisor de águas para as discussões sobre sustentabilidade no mundo. Antes e depois do Relatório Brundtland. Nas suas conclusões pode-se encontrar um conjunto de sugestões que os países, sobretudo os menos desenvolvidos, deveriam seguir para alcançarem o desenvolvimento sustentável. Aquele em que as populações apresentam elevados padrões de qualidade de vida, sem prejudicar a base dos recursos naturais.
Dentre as sugestões do Relatório destaca-se a ênfase dada ao controle da urbanização descontrolada, que poderia ser alcançada, dentre outras medidas, por uma maior integração rural-urbana. Integração que deve ser entendida como as áreas rurais experimentando desenvolvimento. De tal sorte que as populações ali residentes, sobretudo as adultas, encontrem condições decentes para opinarem em viver onde sempre estiveram. Uma das características da vida nas áreas rurais, que acabam contribuindo para tornar bastante reduzido o custo de financiamento do seu desenvolvimento, comparativamente ao que acontece nas áreas urbanas, é exatamente esse apego que as pessoas que ali nasceram, e viveram, tem com o local. Encontrando condições minimamente adequadas para viverem nas áreas onde nasceram, dificilmente optarão pela emigração. Isso não é pouco. Freia-se na origem uma fonte de potencial problema: a urbanização desorganizada das grandes cidades. O desenvolvimento rural tem, dentre tantas qualidades, a de contribuir decisivamente para que a urbanização aconteça de forma, digamos, mais civilizada. Como urbanização organizada ou civilizada entenda-se aquela feita pelos jovens que, tendo nascido, crescido e estudado nas áreas onde os seus pais sempre viveram, uma vez concluído o curso médio com qualidade, um curso técnico ou mesmo de nível superior, um dia coloca a mochila nas costas e diz para os pais que irão embora. Aquele espaço, tão caro para os seus pais, ficou-lhes pequeno para os enormes sonhos que acreditam apenas conseguirão concretizar nas cidades de maiores portes. Estando preparados irão buscá-los, com grandes chances de concretizá-los. Claro que os pais ficarão com os olhos marejados. As saudades passam a ocupar o vazio deixado pelo garoto ou garota (para os pais os filhos sempre serão assim) que se mandou em busca da conquista do mundo. A recompensa virá depois, com os filhos bem sucedidos, bem treinados e, de repente, com vontade de voltar.
Assim se processará o desenvolvimento, nas áreas rurais e urbanas. Estas últimas não receberão contingentes de pessoas que saíram desesperadas das suas áreas porque não encontraram mais condições de lá viverem. Não lhes resta alternativas. Com o coração partido, deixam para trás suas poucas improdutivas terras, suas árvores, seus animais de estimação, seus vizinhos, suas identidades, suas histórias… Entram no desconhecido das grandes cidades onde não serão alcançados pelos serviços essenciais já em estado terminal nesses locais. Nem a comida conseguirão produzir. Passarão fome e terão outras privações.
O nosso Maranhão, que outrora era tido como um ancoradouro de gente tangida das suas áreas devido aos fatores climáticos, tendo sido citado explicitamente nesta condição na obra do Celso Furtado, transformou-se no grande exportador de mão de obra em condições precárias do Nordeste. É possível encontrarmos maranhenses, sobrevivendo em condições muito ruins em quase todos os estados brasileiros, sobretudo nos da região Norte. Foram tangidos dos seus locais pelo descaso com o desenvolvimento rural. A maior vocação maranhense é incrivelmente negligenciada. Um estado que poderia ser um dos grandes produtores de alimentos e de matérias primas abastecedoras, tanto do mercado interno como do mercado externo, patina com a produção agrícola familiar em regressão. A história recente do estado mostra que com pouco esforço é possível criar condições para o estado deslanchar. Mas esta é uma retórica que não merece atenção de quem toma conta da sua administração. Mesmo com a tragédia nos atuais padrões de qualificação da mão de obra maranhense (também por isso) em que um quinto da população maior de quinze anos é analfabeta, e bem mais do que a metade da população maior de 25 anos sequer tem o nível elementar completo, o caminho a ser trilhado seria o do desenvolvimento rural. Assim seriam criadas sinergias para avançarmos na qualificação da nossa força de trabalho e pensarmos em incrementar os demais setores de produção: transformação, indústria e serviços. A inversão desta ordem obrigará a importação de mão de obra para ocupar os empregos gerados, impactando mais ainda o êxodo de maranhenses. Talvez fosse interessante que os dirigentes atuais, e aqueles que querem dirigir o estado (inclusive os da oposição) fizessem uma leitura com acuidade do Relatório Brundtland, tendo em vistas que no Maranhão santo de casa não faz milagre. Preferimos ouvir opiniões de quem é de fora. Mesmo quando elas são equivocadas, como o foram as recentemente trazidas pelo representante do governo federal que pintou um quadro bonito que, infelizmente, o Maranhão ainda não tem. Nem terá tão cedo se quem governar, egresso da situação ou da oposição, não atentar para as reais carências e vocações do estado.
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*Artigo publicado em 23/11/2013