José Lemos*
Os meus leitores nesta coluna aos sábados tem sido “bombardeados” por mim com um tema monocórdio: “temos que inserir politicamente ao menos 15 municípios maranhenses no semiárido”. Nos dois últimos textos eu falei que essa inclusão proveria às populações que sobrevivem na parte Leste do estado, a possibilidade de participar de politicas diferenciadas para as populações que são reconhecidas pelo Governo Federal como incluídas no ecossistema semiárido.
Falei no último texto que, o jeito equivocado em que está redigida a Lei que regulamenta constitucionalmente o FNE diferenciado para os municípios situados no semiárido, induz à conclusão, correta, de que a inclusão de mais municípios no semiárido significará menos recursos para os que já estão incluídos no ecossistema.
Claro que os políticos dos outros estados do Nordeste irão fazer o que puderem para impedir que isso aconteça. E justificarão as suas más vontades com argumentos afirmando que o Maranhão tem água em abundancia. O que é verdade apenas para uma parte do estado. A porção que faz parte da nossa Amazônia, que tem pluviometria privilegiada, abundancia em recursos hídricos de superfície e de subsolo.
Na parte leste do estado as características são totalmente adversas daquelas. E isto está mostrado tecnicamente nos trabalhos que fizemos. Ali, que faz fronteira com o Piauí, estão os municípios com características técnicas de semiárido.
Todos nós sabemos que Minas Gerais é um estado privilegiado em recursos naturais, inclusive os hídricos. Lá estão algumas das maiores “caixas d’agua” do País. Isso, contudo, não impediu que os políticos mineiros fizessem com que o Governo Federal enquadrasse 85 dos seus mais de oitocentos municípios no semiárido. Nada contra essa inclusão. São municípios muito pobres, situados na fronteira com a Bahia. Eu apenas cito este fato para mostrar que o argumento de que o Maranhão não entra no semiárido porque é rico em recursos hídricos é falacioso. Para dizer o mínimo.
Em 1995, quando ainda morava nos EUA, eu escrevi um trabalho sob titulo “Desertification of drylands in Northeast of Brazil” (Desertificação das terras secas no Nordeste do Brasil), que está registrado num “working paper” que faz parte do acervo da Universidade da California. Naquele documento, que foi uma das primeiras tentativas organizadas feitas no Brasil, de um ponto de vista metodológico, de identificar as áreas susceptíveis à desertificação, eu fiz um mapa de todos os municípios então pertencentes ao semiárido do Nordeste, no que concerne às suas tendências para virarem desertos.
Para tanto eu desenhei um arcabouço metodológico e de indicadores, que incluía, entre outros, a variação temporal da cobertura vegetal e da produtividade da terra para suportar lavoras e criações de animais domésticos. Indicadores que no linguajar técnico enquadramos em capacidade de resiliência ou de sustentabilidade de um sistema. No caso, um grande sistema. O semiárido brasileiro oficial de então.
As Nações Unidas definem como regiões susceptíveis à desertificação aquelas situadas em áreas áridas, semiáridas e sub-úmidas secas, definidas de acordo com o índice de aridez, a que já me referi aqui em texto anterior.
Como o Maranhão e Minas Gerais, por aquela ocasião, não tinham municípios inseridos oficialmente no semiárido, ficaram de fora do meu estudo. Decorridos quase 22 anos da publicação daquele trabalho (foi publicado ao final de 1995), Minas Gerais emplacou 85 municípios e o Maranhão continua onde estava. Ou melhor, ficou pior.
Em trabalho que apresentei em Congresso cientifico, publicado na Revista Econômica do Nordeste (REN) em 2001, eu desenhei um mapa de degradação em todos os municípios do Nordeste. Ali está mostrado que os municípios do Leste maranhense apresentam alguns dos piores níveis de degradação dos recursos naturais, relativamente ao que se observa em todos os municípios da região.
Esses dois trabalhos foram os precursores dos seguintes em que, com colegas da UEMA, mostramos os 15 municípios maranhenses com índices de aridez compatíveis com aqueles que as Nações Unidas reconhecem como tendo características técnicas de semiárido. Portanto, já estamos numa longa via-crúcis com este debate.
Elevados patamares de degradação dos recursos naturais, se constituem no degrau anterior ao processo de subida para o estágio da desertificação. Desertificação, como se depreende da vasta literatura disponível, uma vez instalada será difícil de ser revertida. Porque os custos financeiros são elevados. Ora, se por aqui se sofre com necessidades de recursos para resolver problemas elementares, imagine-se o que nos ocorrerá se mergulharmos em consolidação da desertificação no nosso estado?
Será que teremos que esperar que isso aconteça para tomar providencia? E já se foram pelo menos doze anos em que estamos (eu, colegas da UEMA e tantos outros) tentando fazer com que nos escutem. Será que continuarão surdos? Esperarão que mais maranhenses daquele lado morram por inanição antes que tomem a providencia de agirem de acordo com a procuração que os eleitores lhes deram, pelo voto, de lhes representar os interesses?
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*Professor Titular. Coordenador do Laboratório do Semiárido (LabSar) na Universidade Federal do Ceará.