José Lemos
Nos dias que antecedem e seguem àquele do nosso aniversário, de alguma forma, consciente ou inconscientemente, fazemos reflexões acerca desse nosso parceiro, o tempo. A propósito, quando aniversariamos temos motivos para comemorar, porque vivemos mais um ano, ou razão para entristecer porque temos, de fato, um ano a menos pela frente? Na medida em que o tempo avança, vamos passando por metamorfoses, tanto na aparência física, como na forma de encarar a vida. Os arroubos da juventude nos transformam em adultos mais pacatos, menos impetuosos, mais serenos, menos irreverentes, mais tolerantes.
Dentre as muitas criações interessantes do ser humano, sem dúvida, uma delas, foi a tentativa de aferir o passar do tempo. Como a terra gira em torno do sol, nossa fonte vital de energia, o seu formato de globo faz com que os dias tenham começos de medições diferentes, dependendo em que parte do mundo nos encontremos. Quando os orientais estão no crepúsculo de mais um dia, começa a aurora para nós que vivemos deste lado do planeta. Quando se teve a experiência de vivenciar os dois “fusos horários” o do lado de lá e o do lado de cá, percebe-se que isso tem um significado muito grande no organismo e na nossa cabeça. Está no Rio de Janeiro num dia e dois dias depois em Sidney, na Austrália, ou em Seul na Coréia do Sul, pode até provocar alguns distúrbios orgânicos e psíquicos. Essas cidades tem respectivamente quatorze (14) e treze (13) horas à frente da que computamos com base no horário de Brasília. Uma loucura. Eu já estive nessas duas cidades, em missões científicas, e senti no organismo as diferenças.
A sensação de avanço do tempo não é rigorosamente igual em todos os momentos, inclusive nas fases da nossa própria vida. Quando crianças os nossos pais sentem o tempo passar rápido, porque, no fundo, gostariam que os filhos ficassem eternamente bebês. Mas eles crescem. E depressa! De repente se transformam em adolescentes, que por sua vez encaram o tempo como inimigo da sua vontade de se libertar das franjas paternas. Como é rápido para os pais o tempo que transcorre entre o nascimento e a adolescência de um filho! Como é duradouro para o adolescente o passar de tempo entre os 15 e os 18 anos!
Portanto, há contradições no sentir o passar do tempo. Na adolescência, quando se está experimentando as primeiras emoções afetivas, o tempo que transcorre entre a primeira olhada para a garota, que sequer toma conhecimento da nossa existência, até o momento em que ela percebe que estamos ali, e decide dar uma chance, transcorre uma eternidade. Até chegar o momento embaraçoso do primeiro toque de mãos, quando as primeiras energias são trocadas através do contato de peles, demanda um tempo indefinido. O coração acelera fazendo o tempo correr diferente. As fortes emoções, que se seguem àquele momento mágico, voam. Aquele primeiro toque das mãos que durou um infinito de tempo para acontecer, esvai-se com uma sensação que não dura mais do que poucos segundos.
Assim, o tempo não tem uma sensação de aferição linear nas nossas vidas. Uma tarefa prazerosa esvai-se sem que notemos. Algo que incomoda nos ocupa o tempo, quase sempre de forma indefinida. A sensação de uma viagem num vôo em avião em áreas de intensas turbulências nos faz sentir uma eternidade em apenas um minuto. Os prazeres em ouvir uma boa música ou de ler um bom livro, evaporam-se no tempo de um relâmpago.
A dialética do transcurso do tempo é instigante. À primavera das flores, segue-se o verão com muito calor e frutos. Depois do verão vem o outono, que em inglês também é chamado de “fall”, porque é o tempo das plantas deixarem as folhas velhas caírem, para hibernarem no inverno, se renovarem esplendorosas novamente na primavera, exibirem a sua beleza, e perpetuarem as espécies, no curso natural da vida.
Nas áreas equatoriais, como a nossa, temos o tempo das chuvas e o tempo da sua estiagem. Ambos os períodos podem apresentar dicotomias. As chuvas são imprescindíveis para quem precisa produzir bens agrícolas, mas podem se transformar num pesadelo para aqueles que moram nas áreas de risco das grandes cidades. A estiagem de chuvas, que é boa para quem está nessas áreas, torna-se dramática para aqueles que precisam delas para produzir. Há, portanto um relativismo da passagem do tempo, sinalizando que a natureza é mãe zelosa quando dela cuidamos, mas pode ser madrasta vil quando não a respeitamos nos seus desígnios.
De todas estas reflexões, talvez uma das mais relevantes fosse avaliarmos o que fazemos do nosso próprio tempo neste mundo. Será que vale a pena esgotarmos todas as nossas energias e sinergias durante a nossa efêmera passagem por este planeta, apenas buscando acumular riquezas materiais, forjar fortuna e poder? Como o “bolo” produzido no planeta terra é finito, mais para alguns, fatalmente significará bem menos ou nada para muitos. A pobreza é uma decorrência deste fato. Será confortável viver em opulência cercado de miseráveis? E se os miseráveis decorrem da nossa própria opulência, será que o nosso tempo foi administrado com sabedoria? Estaremos tranquilos observando da sacada das nossas mansões os navios passando à distancia levando as riquezas produzidas por nossos irmãos que moram em casebres, e que jamais terão acesso a elas porque nós contribuímos para que o transcurso dos fatos no tempo fosse exatamente este?
==============
*Escreve aos sábados neste espaço. Professor Associado na Universidade Federal do Ceará.
Texto publicado em 28/02/2009.