José Lemos
Antes da redemocratização, ou ao que se convencionou chamar de redemocratização do Brasil, falava-se que os cargos da administração pública eram ocupados por tecnocratas. Por tecnocratas, que era uma expressão de conotação pejorativa, se identificavam os técnicos que ocupavam postos chaves naquela administração, mas quase sempre ocupando os chamados cargos de confiança que não requerem concurso público para ocupação, mas a indicação de algum poderoso.
Todas as mazelas que aconteciam, inclusive o processo hiperinflacionário que prevaleceu até março de 1985, quando terminou o ciclo dos governos militares, eram atribuídas à falta de sensibilidade dos técnicos que estavam à frente, e também sobre aqueles que não apareciam, mas ocupavam os cargos de confiança.
O discurso da oposição da época era que os cargos deveriam ser preenchidos por políticos, porque eles é que tem a sensibilidade para fazer as coisas acontecerem. Os tecnocratas, “insensíveis”, trabalhavam, segundo aqueles criticos, apenas respaldados em evidencias estatísticas. Ali estava o “crime” daquela gente. Ter formação técnica e utilizá-la no encaminhamento das alternativas de intervenção do Estado nas atividades para promoverem o desenvolvimento. Não se questionava como foram nomeados para ocupar as funções que era, de fato, a causa do descaso com a causa pública
Os grandes problemas brasileiros do período militar eram dois: a hiperinflação e o regime de exceção que tinha poderes amplos de interferir na vida de todos os brasileiros e de eliminar qualquer foco de rebeldia. Mas os problemas de instabilidade monetária, que foi uma das motivações da tomada de poder pelos militares, remontam de períodos bem mais anteriores. Começaram com a construção de Brasília e com a implantação de grandes obras com farto respaldo do poder publico. Isso tudo se constituiu numa fonte inesgotável de desequilíbrio orçamentário.
Os militares haviam tomado o poder com discurso desenvolvimentista e de construir o Brasil Grande. Logo também “descobriram” que poderiam fazer “bondades pintando papel”. Tecnicamente, “pintar papel para fazer bondade” foi a metáfora utilizada para o termo técnico que significa “emitir moeda para financiar déficit publico.” Os tecnocratas que executaram as ordens dos seus superiores estavam ali para fazerem o que era estabelecido por eles. Ou faziam ou eram demitidos. Isto porque os cargos não eram, como continuam não sendo, conquistados pela via da meritocracia (leia-se concurso publico idôneo e impessoal).
Assim, o último governo militar de João Figueiredo terminou com uma inflação de 100% ao ano, o que já era uma exorbitância.
Com a redemocratização, e depois da Constituição de 1988, os tecnocratas saíram de circulação, e os cargos comissionados passaram a ser ocupados por políticos. “Avançou-se” tanto neste particular que atualmente tanto em nível federal, como estadual, os políticos assumem todos os cargos e definem também politicamente os assessores. Neste caso, não precisa ter competência para as funções. Basta fazer parte da base aliada.
No período pós militar, assumiram governos civis. Ao cabo do primeiro deles, o de José Sarney em 1989, a inflação havia atingido o patamar de 84% ao mês, ou mais de 1.700% ao ano. Agora já não se podia mais colocar culpa nos tecnocratas, tendo em vistas que foi estabelecida uma verdadeira farra de gastança com o dinheiro público.
A partir de então produziu-se no Brasil a republica do empreguismo. Os cargos continuam sendo preenchidos sem que os candidatos tenham a necessária competência, haja vista que não precisam de concurso publico isento e impessoal para avaliar os mais habilitados. Apenas agora são nomeados por políticos das ditas Bases Aliadas.
Em estados pobres como dos do Nordeste e do Norte, fica difícil a manutenção de quadros estáveis de profissionais competentes, porque os cargos são de propriedade e dependem do humor do político de ocasião. Não têm qualquer compromisso com as populações que lhes pagam os salários, via impostos diretos e indiretos, mas com quem lhes garante o emprego. Agem como cabos eleitorais desses senhores. Este cenário é perfeito para a eclosão de corrupção, desvio de recursos, prioridades equivocadas, dentre outras mazelas. Óbvio que não pode dar certo.
========
*Artigo publicado em 3/12/2011.