José Lemos*
Otto Lara Resende (1922-1992) foi um mineiro, jornalista, advogado, contista, escritor, e um grande criador de frases. Uma das mais célebres foi: “O mineiro só é solidário no câncer”. A mensagem desta frase, ao que eu entendo, embute o sentimento de que as pessoas raramente se antecipam aos acontecimentos que envolverão populações vulneráveis, ainda que antevejam ser iminente a possibilidade de acontecer catástrofes que esfacelem esperanças, destruam bens materiais e ceifem vidas. Óbvio que há exceções. É por causa delas, as exceções, que este mundo não sucumbiu de vez.
A Lei Nº7827, de 27 de setembro de 1989 que regulamenta o Artigo 159, inciso I, alínea “c” da Constituição Federal de 1988, instituiu os Fundos Constitucionais do Norte (FNO), do Nordeste (FNE) e do Centro Oeste (FCO). No segundo parágrafo daquela lei está escrito o seguinte: “No caso da região Nordeste, o FNE inclui a finalidade específica de financiar, em condições compatíveis com as peculiaridades da área, atividades econômicas do semiárido, às quais destinará METADE dos recursos ingressados nos termos do art. 159, inciso I, alínea “c”, da Constituição Federal”.
Os legisladores que regulamentaram essa Lei cometeram uma enorme bobagem. Faltou a eles um mínimo de conhecimento de matemática elementar. Estou descartando a possibilidade de terem agido de má fé, provendo-lhes o crédito da ignorância com a aritmética. Ao prescrever que às atividades econômicas do semiárido se destinará METADE dos recursos ingressados, na verdade praticamente impuseram que esse montante jamais se verifique. A redação correta para fazer justiça seria “se destinará PELO MENOS A METADE dos recursos ingressados nos termos do Artigo 159”.
Esta seria a forma de garantir que aqueles que estão sob o ecossistema pudessem ter acesso aos recursos que lhes poderiam aliviar as atuais tormentas e criar ambiente para reduzir as desigualdades gritantes que aparta os nordestinos do semiárido, dos demais brasileiros. Uma intolerável segregação social.
Como os recursos estão limitados à metade como teto, esse montante jamais foi ou será atingido, porque nas cabeças dos governantes prevalecem outras prioridades, e elas, as verbas, acabam não chegando à plenitude em que foram determinadas por lei.
É neste “sutil” detalhe que se concentra a maior dificuldade para que os municípios maranhenses que tem características técnicas de semiárido sejam reconhecidos pelo Ministério da Integração Nacional. Os parlamentares dos outros estados da região não permitem que isso aconteça. Sabem que, como o “bolo” do FNE é limitado, mais começais sendo incluídos significará fatias menores para os atuais. De novo, uma questão aritmética que, neste caso eles entendem muito bem.
Está nas Bancadas de Deputados e Senadores dos estados do Nordeste o maior obstáculo a ser vencido para que a nossa demanda, que agora é politica, se concretize. Justamente os parlamentares que tem conhecimento das nossas carências. Eles sabem que entrando para ser beneficiada por aquela legislação, aquela parte da população maranhense teria perspectivas de caminhar por outros caminhos. E os parlamentares maranhenses parecem ainda não ter se dado conta desses fatos.
A pergunta que não deixa de ser feita é: será que o comportamento de inercia dos parlamentares maranhenses, em relação a essa causa que é justa, seria o mesmo se a legislação estabelecesse que fazer parte do semiárido implicaria em grandes projetos envolvendo muito dinheiro? Eu não tenho a resposta. Ou prefiro que ela não seja aquela que os leitores deste texto fatalmente criarão nas suas cabeças.
Assim, eu acredito que caso não consigamos mudar a redação daquela Lei que instituiu o FNE, ficará difícil sensibilizar as bancadas federais dos outros estados do Nordeste para a nossa causa. O trabalho dos Deputados e Senadores maranhenses, com o aval do Governador, deve acontecer em duas frentes, que não são excludentes, mas complementares: mudar a redação daquela Lei, e incorporar, o quanto antes, ao menos um milhão de maranhenses de 15 municípios no semiárido, porque eles estão respaldados tecnicamente para que isso aconteça. Melhor ajustar as leis às necessidades, do que ficar com elas rígidas e provocando os estragos atuais.
Otto Lara Resende ainda nos deixou ao menos mais três frases em que podemos nos inspirar para entender a lógica que respalda o comportamento dos políticos brasileiros e nordestinos. Vejam: 1- “Escrevemos, escrevemos, escrevemos. Clamamos no deserto. O clube do poder tem as portas lacradas e calafetadas”. 2 – “A ação política é cruel, baseia-se numa competição animal, é preciso derrotar, esmagar, matar, aniquilar o inimigo”. 3- “Intelectual na política é quase sempre errado. A práxis não deixa espaço para pensar. Pensar é muito sutil, enrascado, complexo, multiplica as alternativas”.
Não queremos que os parlamentares do Nordeste, incluindo os maranhenses, sejam solidários apenas no câncer social, econômico e ambiental a que estão vulneráveis os nossos irmãos dos 15 municípios maranhenses que já se comprovou terem características de semiárido. Mas que se antecipem a ele. Que façam a sua parte, eleitos que foram, para cuidar dos interesses das populações, sobretudo das mais carentes. Pensando nas futuras gerações. Não apenas nas próximas eleições. Os mandatos passam. As pessoas passarão mais depressa se a elas não for proporcionado o mínimo de condições para sobreviverem. E temos uma luz no fim do túnel para isso.
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*Professor Titular. Coordenador do Laboratório do Semiárido (LabSar) na Universidade Federal do Ceará. Escreve aos sábados neste espaço desde abril de 2004.