José Lemos
As áreas definidas no bioma semiárido apresentam características climáticas, de solos, de cobertura vegetal e, por conseqüência, de fauna nativa bastantes características. Em 1948 o Professor Thornthaite realizou um trabalho seminal que define tecnicamente as áreas de acordo com o clima. Aquele trabalho no qual as Nações Unidas se baseiam para fazer a sua própria classificação das regiões, é uma equação singela em que no numerador se encontra o volume de precipitação de chuvas que, num período de tempo, cai numa determinada área. No denominador situa-se o que é tecnicamente chamado de evapotranspiração potencial. Este nome estranho para os leitores, nada mais é do que a água que evapora dos solos devido aos raios solares e aquela que as vegetações eliminam (transpiram) também por causa do calor. Menos chuvas, mais intensa a insolação, mais expostos o solo e a vegetação às ações dos raios solares, mais dramática será a situação da área. Caso chova menos do que a capacidade do solo e das plantas de reter água, haverá problemas numa escala crescente que foi definida por aquele pesquisador. A pior situação está nos climas áridos. Em seguida vem o semiárido, sub-úmido e o úmido. Há uma escala numérica, com intervalos definidos, em que se enquadram cada uma dessas categorias.
Não obstante existir esta definição técnica de semiárido, mundialmente consolidada, se observa uma notável confusão, em nível de Parlamento e dos Governos, no que concerne à caracterização dos municípios do semiárido brasileiro. O que transparece é que prevalecem critérios políticos, o que não seria ruim, se não viessem contaminados por interesses de poderosos que costumam sobrepor suas demandas às evidencias técnicas.
No semiárido concentram-se os maiores bolsões de pobreza do Brasil, onde sobrevive um contingente populacional não desprezível, em elevado estágio de exclusão social e, por isso mesmo, muito vulnerável às ações das espertezas políticas. Assim, qualquer político que acene com algum “benefício” paliativo para essas áreas carentes receberá, como contrapartida, a perpetuação de seus poderes políticos locais, através do “voto de cabresto”. Poderes que se transformam numa fonte inesgotável de acumulo de riqueza material, em detrimento de uma imensa população que empobrece a olhos vistos.
Com base em critérios, não necessariamente técnicos, e que podem cometer injustiças por exclusão, atualmente o Ministério da Integração Nacional reconhece como semiárido brasileiro uma área que se espraia por 1.133 municípios, que agregam um espaço físico de 982.563,3 quilômetros quadrados, abrangendo nove estados com os montantes de municípios entre parênteses: Piauí (127), Ceará (150), Rio Grande do Norte (147), Paraíba (170), Pernambuco (122), Alagoas (38), Sergipe (28), Bahia (266) e Minas Gerais (85). A população total é de 22,6 milhões de habitantes, sendo que 57% sobrevivem nas áreas urbanas e 43% nas áreas rurais segundo o Censo Demográfico de 2010.
No Maranhão há pelo menos 45 municípios situados, predominantemente, no Leste do estado com características de semiárido. Municípios tão pobres que sequer dispõem de estatísticas pluviométricas num período mínimo de trinta anos, como sugerido tecnicamente, para estimar os tipos de clima prevalecentes. Contudo, em quinze deles conseguimos reunir informações e demonstrar que tem características climáticas de semiárido. Nesses municípios sobrevivem, em condições precárias, aproximadamente novecentos mil maranhenses. A situação deles seria aliviada se pudessem ser atendidos pelas políticas públicas específicas para o semiárido. Mas não o são porque até agora não houve interesse político em respaldar uma demanda que já foi tecnicamente justificada em três trabalhos científicos que apresentamos em Congressos Nacionais.
Assim há diferentes semiáridos no Brasil, reconhecidos ou não pelo governo federal. Com efeito, observa-se que o PIB per capita anual desses municípios varia de R$2.203,83 em Tutóia, no Maranhão, a R$ 90.233,45 em Guamaré, Rio Grande do Norte. Estes valores gravitam em torno de uma média anual de apenas R$ R$5.508,57. Não menos do que 66,6% da população desses municípios sobrevive em domicílios com renda total domiciliar variando de zero a dois salários mínimos. A população analfabeta maior de quinze anos representa 24,6% e a escolaridade média é de apenas 4,2 anos. Algo como 61% da população do semiárido, incluindo o Maranhão, não tem local adequado para destinar dejetos humanos. Mas existem “ilhas” de prosperidade, como aquelas situadas nos perímetros irrigados de Petrolina em Pernambuco e Juazeiro na Bahia, além de outras. A disparidade na renda per capita é um indicador de que há áreas no semiárido de elevado padrão pessoal de renda. Mas há também contingente enorme (a maioria) sobrevivendo em condições precaríssimas. Portanto, não se tratam de situações homogêneas. Estas as razões motivadoras que nos levaram a propor a criação do Laboratório do Semiárido (LabSar), no Centro de Ciências Agrárias da UFC, que começa a sua trajetória neste onze (11) de março. Queira o Boníssimo Deus que possamos ter lucidez, sensibilidade, talento e, sobretudo, humildade para juntos com os sujeitos diretamente interessados, deslancharmos ideias que ajudem a pavimentar caminhos que viabilizem a convivência com as dificuldades dos semiáridos do Brasil.
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Artigo publicado em 8 de março de 2014 no O Imparcial e no dia 9 de março no Jornal Pequeno