José Lemos*
Quando na noite de um dia ao final de fevereiro de 2006 o então Governador José Reinaldo me chamou ao Palácio dos Leões para convidar-me para assumir a Secretaria de Estado da Agricultura, a minha primeira reação foi de enorme surpresa. Surpresa que se potencializou quando ele falou que eu iria coordenar o PRODIM. Um programa de mitigação da pobreza rural que eu havia ajudado a conceber e a desenhar. O Programa de Desenvolvimento Rural Integrado do Maranhão (PRODIM), não era assistencialista, era estruturante, contaria com US40 milhões de dólares, ou R$80 milhões de reais ao câmbio de então. Recursos vindos de empréstimo junto ao Banco Mundial. O Projeto ficou estancado indefinidamente na mesa Diretora do Senado da República, que o precisaria aprovar, porque o poderoso e muito influente senador maranhense, juntamente com Lula, não queriam que acontecesse.
Naquele momento passou pela minha cabeça um turbilhão de pensamentos. Fiquei inicialmente estupefato. Eu estava sentado de frente olhando para ele, mas sem o ver, porque os pensamentos viajaram naquela fração de momento pela minha história de vida. Lembrei também que nos dias que antecederam aquela conversa ouviam-se rumores de todos os lados especulando que haveria mudança naquela Secretaria. Havia os “candidatos naturais” ao cargo, devidamente ancorados em algum deputado da “Base Aliada”. Aquela era uma Secretaria que tinha capilaridade em todos os 217 municípios maranhenses, portanto com enorme capacidade de influencia, sobretudo com uma grana daquela magnitude à disposição. Claro que não acreditei no que ouvia.
Respirei fundo, olhei para o Governador firme e lhe disse: Eu aceito se o “Senhor” concordar em fazermos um projeto piloto de recuperação da mata ciliar do Rio Itapecuru. Aquele era um sonho meu de maranhense e de Acadêmico, longamente acalentado. Tomei banho nas águas daquele rio quando era menino em Caxias, terra da mãe. Lembrava-me do aroma delicioso daquelas águas barrentas, dos sons que saiam das águas e dos animais silvestres que habitavam a farta vegetação das suas margens que agora estavam desaparecendo. Sons, aromas, formas, que estavam recônditos na minha memória e que pulularam na minha mente naquela fração de tempo que pareceu uma eternidade para mim, que as elaborava, e para o Governador que esperava a minha resposta. Doía-me n’alma ver o estado em que o rio se encontrava.
Zé Reinaldo me olhou assustado e respondeu: “Topo”. Foi um “topo” repleto de “não acreditos”. Acho que ele avaliou que eu não estava regulando bem. Onde já se viu alguém colocar como condição para aceitar ser Secretário de Agricultura recompor a mata ciliar de um rio? Deve ter pensado que havia convidado um “alucinado”, um “porra louca lunático” para um cargo definitivo do seu Governo. Deve ter tido de imediato a vontade de “desconvidar”. Afinal não tínhamos testemunhas naquela noite.
Sai dali exultante. Comuniquei a todas as pessoas da minha família, do meu entorno afetivo, aos colegas da Secretaria que eu ocupava… Todos ficaram felizes, e pasmos, porque sabiam que aquela era uma situação no mínimo atípica.
No dia 5 de março eu tomei posse no Palácio dos Leões, numa solenidade muito bonita. Com a voz embargada, num discurso escrito em duas laudas, eu falei que estava ciente das minhas responsabilidades como Secretário de Agricultura. Mas enfatizei que no dia internacional do meio ambiente daquele ano, o Governador iria plantar a primeira árvore nativa do projeto piloto de recuperação da mata ciliar do Rio Itapecuru.
Chamei para me assessorar só gente competente. Quase todos ex-orientados meus em diferentes cursos de Pós-Graduação no Maranhão e no Ceará. Busquei um Professor da UEMA. Chamei dois Engenheiros Civis, um foi ex-colega de Liceu. Reuníamo-nos sistematicamente. Estabelecemos um cronograma das ações. Eles desenharam o projeto que eu havia imaginado. Começamos o trabalho de envolvimento das populações ribeirinhas de Codó, município que foi escolhido para a implantação do projeto. Fomos às escolas públicas do município para envolver Professores, estudantes (crianças e adolescentes). Fomos à ALUMAR e solicitamos ajuda. Eles nos concederam 3000 mudas que foram entregues no local do projeto. Recorremos ao PRODIM e ao Tesouro do estado para alavancar os recursos necessários. Algo como R$236 mil.
Em 5 de junho de 2006, dia mundial do Meio Ambiente, numa tarde quente em Codó, no meio de uma multidão empolgada, Zé Reinaldo plantou a primeira das mais de 6.000 mudas que plantaríamos num projeto que foi apropriado pelas populações ribeirinhas. Aquele foi um dos dias mais felizes da minha vida. Prevíamos a recuperação experimental de seis hectares, três hectares em cada margem do rio no trecho entre Codó e Timbiras. Recuperamos doze hectares com o mesmo recurso.
Infelizmente, todos os governos que seguiram, não deram prosseguimento ao projeto, e liquidaram com o PRODIM. O Rio Itapecuru, cujas águas chegam em 75% dos poucos domicílios que tem água encanada em São Luís, e que cumpre elevada função ambiental, paisagística e social, sendo uma das nossas maiores riquezas, segue o seu curso em agonia e todo assoreado. As formas, aromas, sons e cores que o rio Itapecuru emite na sua trajetória nos deixam com um único sentimento: Tristeza!
*Professor Titular, Coordenador do Laboratório do Semiárido (LabSar) na Universidade Federal do Ceará.
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