José Lemos
Nós não exercemos domínio sobre a nossa trajetória nesta vida. Traçamos planos que podem ser atropelados por eventos imprevistos, ou que tomam rumos diferentes daquele que imaginamos. Contudo, precisamos ter a sabedoria de sempre procurar avançar. Rever atitudes. Começar novamente. Aprender com a estratégia dos rios.
Os rios também nascem frágeis como nós. Brotam em pequenos olhos d’água que precisam estar protegidos para que não morram assim que nascem, ou sequer nasçam. Quando começam a dar os “primeiros passos”, como nós, os rios também vão trôpegos, mas já “aprendem” a contornar obstáculos. Crescem “alimentando-se” de córregos, de outras veias de água, de riachos e até de outros rios, que vão lhe encorpando e lhe dando forças para seguir na trajetória rumo ao seu destino. Eles “sabem” que ao atingirem seus objetivos, que é fazer parte do oceano mais próximo, serão apenas mais um naquela “multidão”. Mas tem a “certeza” de que darão a sua contribuição inestimável para que as ondas aconteçam, as marés variem, os peixes se desenvolvam e a vida se potencialize de forma exponencial naquele mundão de águas.
Até chegar ao destino “serpenteiam” os obstáculos que surgem no seu caminho. Muitas vezes precisam despencar de penhascos, na busca de um caminho que, por incrível que pareça, é o mais seguro para a sua trajetória. E nós humanos, não raro, os incomodamos retirando-lhes a proteção ciliar, jogando-lhes sujeiras, tornando-os doentes. Males que lhes reduzem a força, e a “expectativa de vida”. Não raro morrem antes de chegarem ao seu destino. Não lhes provemos chances de recomeçar.
Recomeçar é sempre muito difícil e um grande desafio. Uma relação afetiva que acabou provocará dor, mas precisa ser encarada. A vida tem que seguir, e aquela página deve ser virada, para propiciar a leitura de outra. Uma nova página a que seguirão outras que darão continuidade à nossa felicidade afetiva, interrompida talvez por razões que não conseguimos entender. Começar de novo com um novo amor. Rever equívocos da relação anterior para não repeti-los na nova que se inicia. Recomeçar com sabedoria.
Na nossa vida profissional também é assim. Podemos construir uma carreira que, aos olhos dos que estão de fora, parece ser bem sucedida, completa, resolvida. Contudo, para nós ainda é carente de algo. Está faltando um pedaço, como diria Djavan, em uma das suas mais belas canções. Contudo, embora tenhamos este sentimento de que algo está subtraído, muitas vezes não temos a coragem de ir buscar um ponto de inflexão, de ruptura. Afinal tudo está bem. Para que mudar? Ficamos diante de um grande dilema.
Dilema que se torna mais difícil de contornar à medida em que o tempo passa. Ah! o tempo. Sempre ele nos mostrando que já não somos mais os jovens impetuosos de apenas alguns anos. Tempo que pode nos conduzir à tentação da conformação, siamesa da letargia. Nos miramos no espelho nosso de cada dia e constatamos que a nossa arquitetura já não é mais a mesma da juventude não tão remota assim. Podemos raciocinar de forma simplista: ora se estou bem, tenho um padrão de vida razoável, se comparado com a média das pessoas que vivem na minha cidade, tenho qualidade de vida que está fora do alcance de muitos, por que mudar? Pra que recomeçar?
Li um dia desses nas Páginas Amarelas da Revista Veja a entrevista de uma educadora americana muito lúcida. Dentre outros ensinamentos que esbanjou naquela seminal entrevista, ela sugeriu que os “loucos” é que fazem a diferença neste mundo. Aqueles que não se conformam com a mesmice é que fazem história. Albert Einstein foi assim. Tantos outros que deixaram legados para a humanidade, não tinham comportamento “normal”. Foram “Outsiders” (foras do contexto, numa tradução livre).
Mas é ético ser “normal” diante de catástrofes como esta que se abate sobre os nossos conterrâneos nordestinos há intermináveis dois anos? Pior, quando vemos que as soluções apresentadas por gente “normal” e, suponha-se que seja, bem intencionada, são sempre as mesmas: paliativas e perpetuadoras do status quo. Não seria o momento de exercitar uma loucura, jogar tudo pra cima e buscar novos rumos, ir ao encontro de caminhos noviços na profissão, na busca de soluções definitivas? Não chegou a hora de construir um espaço de reflexões, capaz de reunir um acervo de bons projetos já realizados por pesquisadores e cientistas sérios desta região? Ajudar a produzir idéias que fustiguem alternativas definitivas? Fazer com que a nossa região, em vez do estorvo como é vista pelos olhos estrábicos do resto do Brasil, se transforme num lugar onde todos nós tenhamos orgulho de viver e que eles nos respeitem como seres capazes de conduzir o nosso destino? Transformar este ainda “riacho fragilizado” chamado Nordeste, castigado no seu percurso pelo descaso, num rio caudaloso, e despoluído, para que o grande oceano chamado Brasil o absorva como parte decisiva na feitura das suas ondas e marés? Desafios para loucos? Eu quero fazer parte desse grupo “insano”.
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*Artigo publicado no dia 15 de junho de 2013
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