José Lemos
Neste mundo de whatsapp, facebook, tweeter, instagram, e-mails, transmissão e recebimento instantâneo de mensagens e de imagens, quem tem menos de quarenta anos não imagina como as coisas aconteciam há apenas 25 anos. O mundo experimentou mudanças impressionantes no setor de telecomunicações. Eu fui conhecer internet em 1994 quando cheguei aos EUA para realizar o meu último treinamento acadêmico.
É certo que a programação das grandes redes brasileiras de televisão já acontecia por transmissão via satélite. A telefonia celular estava começando. Os aparelhos eram enormes e pesados. Pouca gente dispunha de uma daquelas geringonças que ficariam populares depois que foi quebrada a estatização da telefonia brasileira nos governos FHC. Hoje, o anormal é não ter um aparelho celular. Eu resisti, o quanto pude, mas sucumbi à praticidade desse demoníaco aparelhinho que faz de tudo. Inclusive ligações.
Não faz muito tempo a comunicação se dava entre as pessoas de forma menos tecnficada. E funcionava. Sem querer ser saudosista, eu acredito que naqueles tempos as pessoas eram mais próximas. As amizades eram reais. Não eram virtuais. Tínhamos menos amigos, mas eram verdadeiros. Recebíamos abraços, cartas escritas à mão, que esboçavam nas “mal traçadas linhas”, as emoções que os teclados de computadores, ou do aparelhinho celular, não conseguem transmitir. Temos agora muitos “amigos” que são virtuais. Muitos nunca vimos pessoalmente e jamais os conheceremos. Possuímos “seguidores” ou nós mesmos “seguimos” alguém, na linguagem que se difunde pelo mundo cibernético. A sensação paradoxal é que temos muitos “amigos” e somos cada vez mais sozinhos. Na comodidade do nosso aparelho, disparamos mensagens para um montão de gente. Todos recebem, respondem, “curtem” ou “compartilham”. E tudo recomeça na próxima mensagem, porque a anterior já sumiu como se éter fosse.
As fotografias que produzíamos, faz apenas alguns anos, usando os filmes de 12, 24, 36 ou 48 poses, entregávamos na loja especializada para “revelá-las” e nos deixavam até uma semana, na expectativa de ver como as fotos haviam ficado. Quase sempre as guardávamos impressas em álbuns, cuidadosamente organizados. Os “negativos” das fotos (alguém se lembra disso?) eram cuidadosamente guardados para serem “reveladas”, no futuro, as fotos que gostávamos. Muitas vezes fazíamos isso.
Fotografias funcionavam como documentos que eram impressos e colecionados cuidadosamente em álbuns, que eram guardados em local seguro, para serem folheados de tempos em tempos. Fazíamos fotos dos filhos quando nasciam. Acompanhávamos as diferentes fases das suas vidas, sempre registrando com uma “Kodak” ou com uma “Olympus Trip 35”. Eu tinha uma Yashica. O fato é que as fotografias eram “reveladas”, colecionadas, guardadas e, volta e meia, buscadas para uma viagem no passado. Funcionavam como documentos que registravam épocas que são “reviradas” de tempos em tempos, para chacoalhar lembranças, turbinar saudades e emoções.
Agora se fazem fotos em sequencia. Numa volúpia incrível. Tudo é motivo para fotografar. Praticamente todos os celulares estão equipados com câmeras. As velhas máquinas fotográficas foram arquivadas, e os filmes são raros encontrar algum para comprar. Contudo, as fotos não são feitas com a intenção de tê-las como registros recorrentes. Mas para serem exibidas nas “redes sociais” que qualquer um tem acesso e “curte”, ou não. Depois nos regozijamos de ter tido tantas “curtidas” ou tantos “compartilhamentos”. Mas passa logo, porque em seguida já estamos com outras fotos, feitas com a mesma motivação e que, por isso, seguirão o mesmo ritual. Todas ficarão perdidas no emaranhado de mensagens, vídeos, colocados no nosso endereço de rede social, na mesma velocidade em que foram colocadas e feitas. Tenho minhas duvidas se serão algum dia, no futuro, desarquivadas para serem lembrados os momentos que registraram.
Temos que admitir que ocorreram mudanças profundas na forma de nos comunicar. Para o bem e para o mal. Em aproximadamente trinta anos ouvíamos rádios AM (ondas médias e de baixo alcance). Quando queríamos ouvir estações transmissoras distantes tínhamos que possuir um rádio que fosse dotado de Ondas Curtas. No Maranhão havia programas de rádio, com grande audiência, que eram transmitidos nas madrugadas ou entre o meio dia e duas da tarde, porque o público ouvinte a quem se destinavam, só tinham aquelas horas para ouvir em volume elevado. Ter um rádio daqueles em casa era móvel de sala. Tinha um modelo de madeira fabricado pela SEMP que era um primor de desenho. Eu tenho um deles aqui comigo. Esses programas eram apenas para transmitir recados de pessoas da capital para o interior do Maranhão, ou de outros estados. Era a forma de comunicação que se mostrava mais ágil do que a prosaica, e sempre bem vinda, carta. Principalmente se viesse da garota que estávamos a fim. Lembro-me de alguns desses recados transmitidos em voz empostada pelo locutor da Rádio Educadora de São Luís. Houve um que foi mandado para o meu Povoado, cujo teor era: “Alô, Alô Natinho, em Paricatiua, Bequimão. Tua mãe, Mundica, está mandando encomenda por Pedro Calafate no Barco ‘Capricho’ que saiu na maré de vazante às seis da manha de São Luís e chega amanha no Porto de Paricatiua. Manda um cofo** de farinha d’água pelo mesmo portador e fica com o resto do dinheiro para comprar os mantimentos de casa. Favor quem ouvir este aviso, retransmiti-lo ao destinatário”.
Uma semana depois Dona Mundica recebia o seu cofo de farinha!
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*Artigo publicado em O Imparcial do dia 20/02/2016.
**cofo, para os não maranhenses, é um cesto feito de forma artesanal a partir de folhas jovens da palmeira de babaçu, que ficam na parte de crescimento das palmeiras. No Maranhão chamamos essas folhas de “pindovas” ou “pindobas”. Num cofo, que felizmente continuam em uso apesar da devastação das palmeiras de babaçu, normalmente comporta 30 quilogramas de farinha d’agua. Que, por sua vez é feita a partir de mandioca que é colocada imersa em água para passar por fermentação anaeróbica. Tecnologia herdada dos nossos irmãos indígenas. Para mim é a melhor farinha que existe. Não abro mão de sempre ter em casa alguns quilos dessa delicia maranhense.
São expressões que fazem parte da nossa forma particular de falar. O “maranhes”.
3 Comentários
Ok Lemos é este mesmo. Vou tirar cópia e mostrar a Ana. Ela gosta de lê teus textos. Eu choro e ela ri. Ri de mim e de como você escreve aqueles textos que ela nunca ouviu. É um barato !
Obrigado Amigo
Pina
Mensagem
Muitobinteressante este artigo professor..
Não tinha lido ainda.
A era da informação em pouco mais de 40 anos teve uma evolução que não tivera em toda a história da humanidade.
As TICs em poucos meses se tornam obsoletas e isto leva as pessoas l dependência no dia a dia.
Tecnologias que sao úteis para a ciência, às vezes usadas de forma inadequada pode sentenciar a morte.
Meios de comunicação que informam e são utilizadas como estratégias de construção do conhecimento, muitas vezes são utilizados por pessoas inescrupulosas para denegrir a imagem de gente séria, também utilizadas para cometerem crimes…