José Lemos
Com uma breve retrospectiva histórica pode-se apresentar alguns dos argumentos que promoveram mudanças estruturais importantes, fundamentais e definidoras da matriz energética brasileira a partir do meado dos anos 1970.
Em julho de 1970 a equipe econômica do presidente General Costa e Silva lançou o Programa Estratégico de Desenvolvimento (PED). Os objetivos do PED era acelerar o desenvolvimento e a contenção da inflação. Previa crescimento da produção nacional de ao menos 6% ao ano.
Foram estabelecidos vários mecanismos de incentivos à demanda, como crédito favorecido para o setor privado, amplos investimentos públicos feitos pelo governo que financiava os seus excessos de despesas em relação à arrecadação vendendo títulos da divida publica através das Letras do Tesouro Nacional (LTN).
O conjunto de medidas adotadas fez com que o PIB brasileiro crescesse acima de 10,0% ao ano de 1967 a 1973. A taxa de crescimento da população brasileira de então era da ordem de 2,9% ao ano. Em decorrência o PIB per capita do país cresceu a uma taxa média de 7,2% ao ano.
Mas havia um percalço no meio disso tudo. O Brasil tinha a sua economia fortemente dependente da importação de petróleo. No final dos anos sessenta, e começo dos anos setenta, a dependência do País em relação a essa fonte energética era quase total. Os preços baixos dessa commodity no mercado internacional contribuíram bastante para que aqueles resultados projetados pelo PED acontecessem.
No começo dos anos setenta os poucos países produtores de petróleo se cartelizaram na OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) e passaram a exercer um forte controle sobre a oferta da commodity, forçando-lhe a alta dos seus preços. Assim, em 1970 o preço do barril de petróleo era de US$ 1,26. Este valor passou para US$ 2,81/barril em 1973, a US$11,00 em 1974 e a US$ 29,19 em 1979. Isso impactou bastante a economia brasileira. Desnecessário falar dos impactos que isso trouxe sobre economias emergentes, como a brasileira, altamente dependente daquela fonte energética. A curva de ascensão do PIB brasileiro entrou em inflexão com viés de forte queda, em decorrência da explosão dos preços internos dos transportes e dos insumos produtivos. Essa transmissão de preços, se tornou num forte foco inflacionário.
Foi sob essa conjuntura difícil que General Ernesto Geisel, quarto Presidente do regime militar, através do decreto n° 76.593, assinado em 14 de novembro de 1975 criou o Programa Nacional do Álcool ( Proálcool). O objetivo explicito do programa era estimular a produção de álcool para suprir a demanda interna de combustíveis automotivos e substituir, em parte, a demanda de petróleo.
O decreto estabelecia que a produção de álcool poderia ter como fontes a cana-de-açúcar, a mandioca ou qualquer outra fonte energética de biomassa, objetivando também o aumento da produção agrícola, a criação, ampliação e modernização de destilarias, além de incentivos às fontes armazenadoras do novo combustível.
O programa foi bem sucedido na sua fase inicial entre os anos de 1975 e 1979. Atingiu a sua fase de consolidação entre 1980 e 1986. Com efeito, a proporção de carros a álcool no total de automóveis produzidos no país aumentou de 0,46% em 1979 para 26,8% em 1980, atingindo um teto de 76,1% em 1986.
Essas fases coincidem com as oscilações internacionais dos preços do petróleo. Que continuaram em ascensão até o ano de 1985, quando atingiram US$ 27,52/barril. Em 1986 caiu bruscamente para US$ 13,52/barril, e se manteve em patamares reduzidos até 1999. Nesse período de queda dos preços do petróleo, o Proálcool entrou em crise. Os custos de produção do álcool, a partir da biomassa, não viabilizariam produzir o equivalente barril desse combustível ao preço que era praticado com o petróleo naquele período. Contudo, no inicio deste milênio a disparada dos preços do petróleo trouxe novo alento à produção de álcool combustível. Com efeito, o preço do barril de petróleo atingiu a incrível marca de US$ 109,02 em 2012.
Os mercados do álcool anidro e hidratado, que começaram fortemente sob interferência do Governo Federal, no começo dos anos noventa, passaram a ser totalmente liberados em todas as suas fases: produção, distribuição e revenda.
A forma adotada pelo Governo Federal para estimular a produção e o consumo de álcool, frente as oscilações do preço do barril de petróleo, passou a ser a adição de álcool anidro à gasolina. Este percentual começou em 22% e atualmente está em 24%.
O surgimento da frota de caros híbridos, que queimam gasolina ou álcool, e ainda a mistura dos dois combustíveis, contribuiu para que a produção brasileira de álcool voltasse a exibir patamares crescentes. Mais da metade da frota de carros fabricados no Brasil é movida por este tipo de motor híbrido.
Mas tudo começou há 40 anos. Uma grande sacada da inteligência Brasileira que revolucionou as fontes energéticas no mundo. Fonte renovável, que tem impactos ambientais menos danosos do que a queima do petróleo. Isso precisa ser rememorado como um dos bons momentos da nossa trajetória como País, para nos fazer acreditar que é possível mudar-lhe os rumos, privilegiando o trabalho, a honestidade, a inteligência e o mérito. A negação disso nos últimos anos nos conduziu ao caos atual.
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Texto para o dia 28/09/2019.