José Lemos*
Nós, brasileiros, festeiros, que paramos o País na primeira quinzena de dezembro e apenas voltamos a trabalhar depois do carnaval, já no final do mês de fevereiro do ano seguinte. Que cruzamos os braços quando a seleção brasileira de futebol disputa Copa do Mundo. Que somos recordistas mundiais em feriados. Que nos acostumamos a “enforcar” os dias de trabalho quando um desses feriados cai numa quinta-feira ou na segunda. Que gostamos de nos aposentar no vigor dos cinquenta anos ou menos. Um povo assim tem enormes chances de colocar no poder gente irresponsável, incompetente, aventureira para administrá-lo. E não deu outra!
E não fizemos diferente ao longo do nosso processo histórico. Quando não tínhamos o direito do exercício do voto, aceitávamos docilmente a determinação de quem tomava conta dos nossos destinos que eram definidos por acertos que atendiam aos interesses de quem fazia parte daqueles conchavos e nada tinha a ver com as demandas da sociedade brasileira. Os desacertos de então ao menos davam aos brasileiros, que sobreviveram naquele período, a sensação de que nada tinham a ver com aquela forma de definir o destino da Nação, haja vista que não haviam sido convidados para participar do processo de definição de quem haveria de governá-los.
A partir do momento em que passamos a ter o direito de escolher os nossos representantes legislativos, de quem nos governar e, através desses, aqueles que seriam os guardiões das regras a que todos deveriam ser submetido, fizemos algumas escolhas horríveis que não podemos debitar toda a culpa em alguém por tê-las feitas por nós.
Mais recentemente temos cometido equívocos tão incrivelmente recorrentes, que mergulharam o país em crises econômicas, institucionais, politicas e sociais que nos pareciam que havíamos chegado ao fundo do poço.
A eleição de Jânio Quadros para Presidente da República começou, mais recentemente, uma série de fundos de poço que ainda não haviam chegado ao fim. Depois de vender a imagem de que seria um Presidente que moralizaria os hábitos e costumes da forma de fazer politica no Brasil, em apenas seis meses tentou dar um golpe, renunciando de forma inesperada, para depois tentar “voltar nos braços do povo”. Típica atitude personalista e populista, que mergulhou o País num caos institucional que culminou com a tomada de poder por parte dos militares que ali ficaram por vinte anos.
Em 1989, na primeira eleição direta após a queda do regime militar, tivemos uma plêiade de bons candidatos à Presidência da República, da estirpe de Mário Covas e Ulysses Guimarães, por exemplo. Optamos deixar para disputar no segundo turno daquelas eleições os dois piores (hoje eu sei disso) e aventureiros: Lula, em quem votei e para quem fiz campanha, e Collor. Aquela disputa do segundo turno deixou o Brasil dividido entre o “Bem” e o “Mau”. Ou se estava com Lula, e estaríamos do lado dos “brasileiros de bem”, ou estávamos com Collor, o líder forjado pela mídia, do que então os brasileiros “do bem” achavam que era o pior que poderia acontecer para o Brasil.
Como percebemos hoje, aquela dicotomia de escolha só poderia desembocar no que acabou acontecendo. Um dos aventureiros se elegeu e cometeu irresponsabilidades incríveis. Um festival de corrupção, de abuso de poder politico, econômico, uso dos recursos públicos para o enriquecimento pessoal, de parentes e de amigos, como foi amplamente denunciado na época. Então, o Partido que apoiou o candidato derrotado já começou a busca do impedimento do que ganhou a eleição no dia seguinte à sua posse. E não era golpe, na avaliação deles. Este mundo dá muitas voltas! E assim permaneceu enquanto ele esteve no poder que, felizmente, nós brasileiros apeamos ao final de 1992, depois de muita mobilização nas ruas dos caras pintadas. Naquela época havíamos imaginado que o Brasil havia mergulhado no fundo do pantanal de sujeiras. Que a partir daquele momento aquela gente morena, festeira, que gosta de carnaval, de futebol, de se aposentar precocemente e de feriados, iria tomar juízo. Ledo engano.
Em 2003 essa gente, em maioria, resolveu apoiar outra aventura. Convenhamos que houvesse uma retórica bem urdida, muito parecida com a de Jânio Quadros, que os brasileiros mais jovens não conheceram, mas deveriam ter aprendido nos livros de história, e que parte daqueles que haviam passado por aquela aventura já sabia e deveria está escaldada. Demos um voto de confiança a um discurso que se apresentava como o que havia de moderno na esquerda progressista, marxista e socialista. Sonho de todos os jovens e de gente da Academia, como era o meu caso, de então.
Treze anos, muita denuncia de corrupção, de enriquecimento ilícito (inclusive do maior líder que era o paladino da ética), caos econômico (milhões de brasileiros desempregados), inflação corroendo a renda de todos (sobretudo dos mais pobres e agora não tem correção monetária dos salários), juros ombreando com o Evereste, depois, constatamos que os fundos do poço da época do Jânio, do Collor, eram cacimbas (como falamos no Nordeste) rasinhas. Mas continuamos festejando o carnaval, jogos da seleção, feriados… Quando nos tornaremos um País sério?
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Artigo publicado em O Imparcial do dia 2/04/2016