José Lemos
Os estados do Nordeste, sem exceção, são carentes em saneamento. Isto pode ser conferido no livro “Mapa da Exclusão Social: Radiografia de Um País Assimetricamente Pobre” de nossa autoria, publicado pela Editora do Banco do Nordeste onde está mapeada a situação de todos os 5.559 municípios brasileiros.
Nele demonstra-se que, em 175 dos 184 municípios cearenses, mais da metade dos domicílios não tem acesso a locais adequados para destinar os dejetos humanos. Nesses domicílios “fossas negras”, sentinas fétidas, valas, córregos de superfícies (quando ainda existem), são os seus destinos. Todos danosos à saúde e ao ambiente.
Em Pindoretama, onde os repórteres do Jornal O Povo começaram a desvendar a não aplicação correta dos recursos públicos na construção de banheiros, se constata que 99 % dos domicílios não tem acesso a locais adequados para os dejetos humanos.
Nas áreas rurais a situação é sempre pior do que nas áreas urbanas. Ali é didícil a construção de redes de esgoto, que seriam a solução adequada. Nesses casos a construção de fossas sépticas é a solução viável, até porque existem modelos que são benéficos ao ambiente. São fossas construídas em série de três depósitos vedados em cima e impermeabilizados no fundo, contendo “suspiros” que eliminam os gases decorrentes da fermentação que ocorre naqueles depósitos. A conexão entre eles permitirá a transferência apenas de líquidos, que se depura à medida que avança nas caixas e material sólido fica decantado na primeira. Quando o liquido alcançar o terceiro deposito poderá ser liberado e utilizado como adubo orgânico em lavouras, desde que não seja diretamente em hortaliças ou frutos que serão consumidos in natura.
Quando tive a oportunidade de exercer a função de Secretario de Agricultura no Maranhão, reuni uma equipe que produziu um programa de combate à pobreza naquele estado. O então Governador José Reinaldo Tavares havia criado o Programa de Desenvolvimento Integrado do Maranhão (PRODIM), com recursos do Banco Mundial. Entre as ações que programamos para mitigar pobreza rural estava justamente a construção de banheiros atrelados a fossas sépticas nas áreas rurais. Avaliamos que em vez de algum burocrata da Secretaria decidir onde os benefícios iriam chegar, melhor seria que Associações, Legalmente e Legitimamente construídas por membros das comunidades, definissem as prioridades e administrassem os recursos, sem a intermediação de quem quer que fosse. Uma forma que encontramos para minimizar a possibilidade de desvios foi a decisão de que ninguém colocaria a mão no dinheiro dos convênios. O Banco Mundial transferia os recursos para a Secretaria, via documento bancário. Nós transferíamos para as associações por esta via. As associações faziam os pagamentos também desta forma. Apenas as empresas contratadas na ponta para fazer os trabalhos receberiam em espécie. Recebiam de forma parcelada. Liberações posteriores estavam condicionadas à comprovação de execução de tarefas prévias. As Associações tinham que provar a existência, mediante apresentação de atas atualizadas e documentos emitidos pelas Receitas Estadual e Federal. Cada Associação deveria ter dois responsáveis pela administração financeira: O Presidente e o tesoureiro, que não podiam ter vinculo político-partidário, nem de parentesco com autoridades.
As demandas saiam das Associações, passavam por um Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural Sustentável. O Conselho Municipal as encaminhava para o Conselho Estadual de Desenvolvimento Rural Sustentável, cujo presidente era o Secretario de Agricultura. Havia três colegiados, um em nível de estado e dois em nível do município, que controlavam a correta aplicação dos recursos. Dificultava-se ao máximo a possibilidade de desvios de seu destino. Eu mesmo fui conferir a execução de tarefas e, por algumas vezes, levei o Governador José Reinaldo para conferir.
Portanto, a forma de transferir dinheiro público para associações, como foi a opção da Secretaria das Cidades do Ceará, é a mais adequada. Mas precisava haver fiscalização rigorosa da sua aplicação. As entidades precisam existir de fato como entes jurídicos e serem legitimamente representadas, o que pressupõe eleição de diretorias por período definido de tempo. A manipulação de dinheiro deve ser reduzida ao mínimo, para evitar a tentação de desvios. Parece que faltaram esses cuidados na condução do programa aqui no Ceará, o que possibilitou ingerências indesejáveis na sua aplicação correta. Isso é danoso para as populações que não conseguiram ter acesso ao serviço. Foi ruim para toda a sociedade cearense, que viu recurso sendo desviados.