José Lemos*
Uma das músicas que “fez a cabeça” da minha geração foi “Turn, Turn, Turn …” (recomeçar, em tradução livre) interpretada pela Banda Inglesa “The Byrds”. A letra da música é inspirada em passagens bíblicas e fala que há tempo de nascer e de morrer. Tempo para plantar e para colher. Tempo para estar junto e tempo para ficar sozinho. Tempo de guerra, tempo de paz. Tempo de rir, tempo para ficar sério. Tempo para ganhar, tempo para perder… (https://www.youtube.com/watch?v=2zx6j4vI8lE).
Talvez possamos acrescentar algumas outras reflexões do tipo: tempo de rever o que foi feito no passado para aprender com os erros e tentar acertar para o futuro, mas já antevendo que mais equívocos cometeremos. A Páscoa é um período bom para os cristãos fazerem este tipo de balanço.
A Física tem alguns postulados que talvez nos ajudem nessas reflexões e em construir a nossa trajetória nesta vida. Uma das Leis de Newton, por exemplo, nos ensina que a menor distância entre dois pontos é sempre uma reta. Nas nossas vidas este principio não se aplica. A conquista de nossos objetivos sempre nos conduz a um tracejado sinuoso, repleto de obstáculos a serem superados, se realmente queremos conquistas fundadas em bases sólidas. As tentativas de buscar atalhos, dificilmente serão conseguidas sem que usemos de subterfúgios escusos, esgarcemos preceitos éticos e morais. O mais inteligente é buscar fazer como os rios, serpentear obstáculos para alcançar o que buscamos. Fazendo assim as conquistas serão bem mais interessantes.
Outro postulado de Newton ensina que a cada ação corresponde uma reação igual e em sentido contrário. Acredito que a nossa índole humana, com coração pulsando e todas as vísceras integrais, não nos deixa oferecer o outro lado da face quando apanhamos em uma delas. Não dá para ser assim. Contudo, também não acredito que reagir a uma ação, agressão (verbal ou física) com igual intensidade, como propõe o principio newtoniano, nos leve a algum lugar saudável. Melhor do que reagir com a mesma veemência, talvez uma boa saída seja a indiferença. Não há forma mais “violenta” de agravar um desafeto do que lhe ser indiferente. A sabedoria talvez resida em deixar quem nos agride falando sozinho em vez de usar o revide.
Mais um fundamento da Física, também de inspiração Newtoniana, nos ensina que um corpo não pode ocupar vários lugares ao mesmo tempo. Muitas vezes queremos resolver todos os problemas do mundo. Estar em todos os lugares. Avaliamos que se não fizermos, o mundo irá parar. Isto é muito comum quando ainda somos muito jovens e estamos começando a nossa carreira profissional. Queremos ser onipresentes. Desejamos que tudo passe pelo nosso crivo. Claro que não daremos conta, e ainda criaremos arestas, conquistaremos desafetos e até ambiente hostil em nosso entorno.
Com os nossos entes queridos também fazemos assim. Avaliamos que devemos estar em todos os lugares para lhes poupar e lhes resolver os problemas. Acreditamos que se não tomarmos a iniciativa, não contribuiremos para que eles avancem. Um tempestuoso equivoco. Caso isto fosse verdadeiro, como explicar a trajetória dos órfãos de pais mortos, ou não, que avançam sozinhos, sem a proteção de quem quer que seja? Enquanto não acreditarmos que não podemos estar em todos os espaços, ao mesmo tempo, não conseguiremos viver a nossa própria vida, buscar ser feliz. Cada um tente fazer a sua parte e o mundo seguirá no ritmo que lhe é próprio devido às forças que lhe propugnam e não porque agimos para que ele caminhe na forma que desejaríamos.
Mais outra lei da Física nos ensina que sem atrito não há movimento. Os automóveis desenvolvem grandes velocidades porque há o atrito das suas rodas com o asfalto. Mas entre as rodas de ferro e o asfalto há um elemento intermediário que, ao tempo em que incrementa o atrito (o que faz os automóveis serem mais velozes), inibe a formação de centelhas e praticamente eliminam ruídos. Este elemento é o pneu de borracha. Na nossa convivência com entes queridos, ou não, sempre acontecem atritos. Podemos crescer e avançar com eles, inclusive no relacionamento, porque descobrimos mais acerca de quem amamos. Nesses momentos as pessoas se mostram como elas são. Para que os atritos nos relacionamentos gerem energias capazes de incrementar sinergias positivas precisaremos criar o nosso próprio “pneu” para eliminar centelhas que induzam situação beligerante irreversível. Esses atritos podem incrementar a “velocidade” e a intensidade do nosso afeto, porque constatamos, depois de uma crise, que não podemos ficar sem aquela pessoa que queremos tanto.
Páscoa, para os cristãos, talvez seja um momento propício para pensar sobre a criação de “pneus” arrefecedores de atritos nas nossas relações afetivas. Para descobrir que cada um tem que fazer a sua parte, escrever a própria história. Que não adianta revidar agressões (físicas ou verbais). A indiferença é arma poderosa nestes casos. Cativar a sabedoria de serpentear obstáculos. Ter a certeza de que tudo tem o seu tempo. Podemos nos aventurar na tentativa de abreviar algumas situações e retardar outras. Desde que tenhamos horizontes definidos e não provoquemos estragos na trajetória de terceiros. Não sei se o que falei faz algum sentido. Mas o fiz com o desejo sincero que os meus leitores deste espaço exercitem uma boa Páscoa junto aos seus entes queridos.
*Texto publicado em O Imparcial do dia 4/04/2015 e no Jornal Pequeno do dia 05/04/2015.
1 Comentário
Ótima analogia. Excelente texto. Parabéns!