José Lemos
Paricatíua é um pequeno e belo povoado do município de Bequimão. Está situado às margens do majestoso Rio Itapetininga que é fortemente influenciado pelo movimento das marés. Por isso as suas margens são densamente revestidas de manguezais. Ali pulsam vidas dentro da lamina d’água do rio, nos terrenos enlameados onde brotam majoritariamente os manguezais. Peixes, caranguejos, várias espécies de aves, e tantos outros animais, numa diversidade incrivelmente rica. Aquele lado belo do estado faz parte da Baixada Ocidental Maranhense (o nosso Pantanal) que tem características fisionômicas, de revestimento florístico, de fauna e da flora Amazônica.
Aquele conjunto harmonioso, esculpido pela natureza, e ainda bastante preservado pela população carente, predominantemente de pescadores e de agricultores, provoca um espetáculo incrivelmente belo de cores, aromas, sons…
Um céu quase sempre azul durante o período de “verão” (estiagem de chuvas), ou carregado de nuvens repletas de águas no “inverno” (quadra chuvosa, quase sempre generosa), faz do povoado um pequeno paraíso recôndito e, por isso, ainda não conhecido pelos maranhenses e pelos brasileiros.
A sua população se aglomera em torno de 200 famílias (aproximadamente mil pessoas). Tem um biótipo bastante peculiar e um jeito de falar característico daquele lado do Brasil. O Português falado ali tem muitas peculiaridades.
O povoado, como já descrevi, é predominantemente habitado por pescadores e agricultores. Esses últimos, em sua grande maioria, são posseiros. A principal “roça” cultivada é a mandioca. Em geral praticada em terrenos que não ultrapassam um hectare (três linhas). A mandioca é utilizada principalmente para a fabricação de farinha d’água, uma iguaria que faz parte da dieta de todo maranhense.
Assim, no povoado existem ao menos três “casas de farinha” em que os agricultores processam a mandioca que colhem e pagam parte da produção em “paneiros ” para o proprietário dessas casas de farinha, que também são agricultores ou vivem apenas da renda advinda desse processo. Uma relação econômica (usuário e dono da casa de farinha) em que não há circulação de moeda.
Mas da mandioca também extraem a tapioca, ou goma, que é utilizada para a produção de outros sabores como o gostoso beiju, ou o bolo de tapioca. Delicias para tomar um belo, regional e nutritivo café da manhã, ou em qualquer hora.
Os agricultores também criam soltas cabeças de ovinos e caprinos, de raças indefinidas, mas já devidamente adaptadas às condições de umidade do povoado que são aquelas da Amazônia. Também há pequenas criações de gado bovino, também feitas de forma extensiva pelos “campos” de Paricatíua.
Em função do movimento das marés forma-se no entorno de Paricatíua os “apicuns”. Áreas salinizadas, planas, que proporcionam um belo espetáculo quando a maré está em baixa. Nesses momentos se forma uma enorme planície esbranquiçada que faz contraste com o verde dos mangues e com o azul do céu. Lindo demais!
Nesse local nasceu um caboclo chamado Domingos Lemos. “Galego” de baixa estatura, olhos vivos, galanteador, agricultor, posseiro e pescador. Para ali, de uma forma improvável, e que dificilmente se encontra algo lógico para explicar, se deslocou uma moça bonita, esguia, morena “bem fechada”. Ela veio de Caxias, na parte Leste do Estado, na fronteira com o Piauí, numa época em que ir de São Luís para o Paricatíua, demandava de três a quatro dias em embarcações a vela, extremamente precárias e perigosas. Chamava-se Amélia e viria para ajudar o seu irmão mais velho que, de forma também improvável para um analista de fora, havia se estabelecido no povoado como próspero comerciante. Amélia e Domingos se conheceram, casaram e tiveram dois filhos. Meu irmão nasceu em Caxias e eu nasci em Paricatíua.
Contudo, não tive a oportunidade de ficar por lá por muito tempo. Ainda bebê, “Seu” Domingos e “Dona” Amélia emigraram para São Luís em busca de melhores dias que, felizmente, vieram depois de muitas dificuldades. Apenas adulto e já com as qualificações que busquei para a minha vida acadêmica eu voltei por lá, para conhecer o local em que está enterrado o meu umbigo, os meus conterrâneos e os meus parentes.
Paricatíua seria um lugar abundante em Paricás. Os Paricás existiram, mas foram dizimados por razões que eu estou pesquisando. O fato é que até o dia 25 de janeiro deste ano, não havia um único exemplar dessa árvore por lá. Isso me incomodou e resolvi elaborar um projeto para plantar Paricás na minha terra. Um projeto educativo, que resgatasse para todos, sobretudo para os mais jovens, a razão do nome do povoado.
Divulguei o projeto na coluna que eu assinava em jornal de São Luís. Membros de uma ONG (Fórum em Defesa da Baixada Maranhense) e da Universidade Estadual do Maranhão se interessaram e ajudaram bastante. Fiz gestões junto aos meus conterrâneos e sobre a direção e professores da escola municipal do povoado.
O projeto ganhou dimensões. As pessoas se apropriaram. A Prefeitura de Bequimão ajudou com recursos financeiros e se comprometeu publicamente em continuar ajudando. Em 26 de janeiro, num dia nublado em Paricatíua, uma multidão se aglomerou e plantou 200 mudas no “Bosque dos Paricás”. Fiquei emocionado. Vi mais um sonho que eu tive no passado se concretizar. Com o entusiasmo de todos. Melhor ainda, os meus conterrâneos não se contentam apenas com o Bosque. Querem Paricás fazendo um corredor na entrada do povoado, na frente da escola e nas imediações do Porto de Paricatíua, aonde serão incorporados ao conjunto harmonioso que lá já existe.
Paricatíua voltou a fazer jus ao nome. Os brasileiros precisam conhecer essa terra que possui belezas naturais incríveis e agora tem muitos Paricás. Estou feliz por ter contribuído para que isso acontecesse. Contudo, o que aconteceu apenas foi possível devido ao envolvimento de todos aqueles que estiveram naquele dia memorável.
=================
*Texto para o dia 10/02/2019.