Onde tem Brasil, tem Nordeste.*
José Lemos
Em 5 de março de 1909 nasceu em Assaré, no Cariri do Ceará, Antônio Gonçalves da Silva que teve estadia longa como inquilino deste Planeta. Morreu aos 93 anos em 8 de julho de 2002. Estou falando do grande Poeta, Cordelista, Cronista do Nordeste: Patativa do Assaré. A sua obra é vasta em Livros de Poesias e Cordéis..
Patativa do Assaré escreveu poesias antológicas. Duas delas foram musicadas e se transformaram em descrição do cotidiano dos homens e mulheres que tem vida difícil no Nordeste. Uma dessas preciosidades se chama “Vaca Estrela e Boi Fubá”.
A outra, escrita no começo dos anos sessenta, lançada em disco em 1964 por Gonzagão. Chama-se “Triste Partida”. Uma poesia longa que recebeu uma melodia bonita do mestre da sanfona e viraria uma espécie de hino do Nordeste sofrido, que tem dificuldades hídricas no espaço e no tempo. Que tem paisagem sombria nas épocas de seca que acontecem de forma sistemática. Nordeste da vegetação majoritariamente rarefeita. Dos solos esturricados, dos rios temporários…
A contradição a essa quase generalidade, em termos de paisagem, não em pobreza, está no Maranhão em que há abundancia de recursos hídricos e de vegetação. A poesia de Patativa do Assaré se aplica aos maranhenses de forma diversa daquela que acontece em boa parte dos demais estados da região. Os maranhenses sofrem com más administrações que “induzem vulnerabilidades” e fazem de um dos estados mais ricos em recursos naturais, no que tem população mais empobrecida deste País.
Essas sinergias e contradições fazem de nós, os nordestinos inclusive e principalmente os maranhenses, uma população itinerante. Estamos sempre saindo em busca de lugares que esperamos que ao menos não sejam tão difíceis de viver como é por aqui. Isso nos é doloroso porque o que queríamos mesmo era morar no lugar em que estão enterrados os nossos umbigos. No local em que abrimos os olhos pela primeira vez para ver a luz do sol. Aonde soltamos os nossos primeiros choros ao nascer, provendo alegria para os nossos pais que, ouvindo aqueles sons saindo com força dos nossos peitos recém nascidos, tiveram a esperança de que chegávamos ao planeta para viver com um mínimo de dignidade. Nossos pais nem queriam muito!
Portanto, todos nós amamos muito esse pedaço de chão que se espraia dos limites do Maranhão com o Pará e com Tocantins, se estende por sete estados, inclui a vastidão da Bahia se estendendo até a fronteira com o Vale do Jequitinhonha. Uma espécie de Nordeste espandido situado nas Minas Gerais. Um enorme território heterogêneo, repleto de contradições de paisagens e de recursos naturais. Muito mal tratado por aqueles que nos conquistam os votos prometendo que isso aqui algum dia será o que todos nós queremos… E isso nunca acontece…
Patativa do Assaré foi um porta voz qualificado dessa nossa saga, ancorado no seu enorme talento e história de vida,. Ele escreveu nos versos de “Triste Partida” que:
“Setembro passou, com oitubro e novembro /Já tamo em dezembro./Meu Deus, que é de nós?/Assim fala o pobre do seco Nordeste,/Com medo da peste/ Da fome feroz…”
E prossegue versejando falando das esperanças dos Nordestinos para as chuvas acontecerem antes do Natal. E as chuvas não caem. Assim como não vêm em janeiro, fevereiro. Em março ele apela para o Santo Padroeiro do Nordeste, o Poderoso São José. Mas nem Ele, com o poder que está no imaginário do Nordestino de muita crença, faz acontecer o que todos queremos. Mais um ano de seca se desenhou com toda a dureza. E isso já havia acontecido no ano anterior, e no ano anterior, e no ano anterior…
Não deu mais para esperar. E chega o momento do nordestino tomar a decisão mais difícil. Patativa do Assaré descreve:
“Agora pensando segui ôtra tria,/Chamando a famia/ Começa a dizê:/ Eu vendo meu burro, meu jegue e o cavalo,/ Nós vamo a São Palo Vivê ou morrê./ Nós vamo a São Palo, que a coisa tá feia;/ Por terras aléia/ Nós vamo vagá./ Se o nosso destino não fô tão mesquinho,/Pro mêrmo cantinho/ Nós torna a vortá…”
E foi pra São Paulo com a sua família. Ali, despreparado, sobra-lhe o trabalho (quando encontra) que outras pessoas não querem realizar. E vai morar nas periferias. De fato, São Paulo é o maior reduto de nordestinos, depois dos nove estados da região. Em 2015 eu contabilizei, a partir dos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) do IBGE, que havia 5.632.292 nordestinos naquele estado que então detinha uma população de 37.209.318.
Gente de todos os estados do Nordeste estava lá. Baianos, Pernambucanos e Cearenses, nessa ordem, formam os maiores contingentes de Nordestinos naquele estado brasileiro. O Rio de Janeiro é a segunda grande opção de boa parte deles.
Mas os nordestinos se espraiam por todos os estados e regiões. Os maranhenses tem a sua maior população, que vive fora dos limites do estado, morando no Pará. Em 2015 a PNAD registra um total de 564.419 maranhenses morando naquele estado.
A contabilidade das populações feita pelo IBGE se resume aos limites do Brasil. Contudo, se atravessarmos as fronteiras do País pelo Norte, para as Guianas, encontraremos nossos conterrâneos em aventuras de toda ordem, buscando a sobrevivência. Sobretudo nas áreas de garimpo e em condições precaríssimas.
Quando somos tangidos das nossas terras devido às adversidades de toda ordem, as de clima são apenas algumas delas, mas não as únicas, saímos com o coração sangrando. Nós amamos tudo isso aqui. O Céu azul a maior parte do ano, os aromas, as paisagens, a nossa gente, a nossa forma de falar, a nossa cultura… Tudo nos é cativante. Sempre saímos na perspectiva de voltar algum dia. Vivos. Infelizmente, para a maioria que saiu, essa é uma realidade que não se materializa. Para sofrimento dos familiares que deixaram por aqui. Às vezes “viúvas” de maridos vivos, “órfãos” de pais vivos, Pais idosos que não sabem noticias dos filhos…
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*Texto para o dia 11/05/2019.