José Lemos
Nesta quinta-feira, nove de maio, eu assisti a um show que esperava desde a tenra adolescência, quando ainda morava na minha querida São Luis. Vi de perto, ao vivo, com todos os suores e cacoetes inerentes a um mortal comum, o Beatle Paul McCartney. Eu e mais de cinqüenta mil pessoas ficamos, por duas horas e meia, extasiados com o carisma, a simplicidade, a falta de estrelismo de um ícone da música mundial há quase cinqüenta anos.
Todas as dependências do novo estádio Castelão estavam lotadas. Maciçamente por jovens. Gente da segunda geração, porque foram os seus pais que vivenciaram aqueles anos revolucionários da musicalidade do mundo em que os Beatles apareceram para mudar definitivamente o comportamento e costumes, no ocidente e no bem comportado oriente.
Quando no começo dos anos setenta, do século passado, logo depois de lançarem o Álbum antológico (como toda a discografia dos rapazes de Liverpool) chamado de “Let it be”, John Lennon convocou a imprensa do mundo para dizer “The dream is over” (o sonho acabou), mergulhou toda uma geração em um pesadelo. Ninguém esperaria que aquele grupo durasse tão pouco tempo. Queriam-no eterno. Uma utopia, dentre tantas que o mudo cultivava naqueles anos conturbados.
Todos os que gostavam da boa música se sentiram órfãos. Aqueles eram anos difíceis no mundo. A brutalidade das guerras, das quais a do Vietnam explicitava a forma intolerante como os seres humanos se relacionam. Ali foram ceifadas muitas vidas. Quando eu morei nos Estados Unidos, já em meado dos anos noventa do século passado, estudando e trabalhando na Universidade da Califórnia, ouvi relatos de pessoas que perderam filhos, ou os tiveram mutilados em decorrência daquelas irracionalidades brutais e assassinas.
Mas o mundo seguiu. E cada um dos rapazes de Liverpool partiu para carreira solo. A de Lennon foi ceifada em oito de dezembro de 1980 por um fanático louco que declarou o ter matado porque o amava. Estranha forma de amar. Mais recentemente, morreu George Harrison, que teve pouco espaço no grupo para mostrar o enorme talento que tinha. Mas as poucas músicas dele inseridas no repertório dos Beatles serviram para constatar a sua enorme capacidade criativa. “Something” e “Here Comes the Sun”, são dois exemplos de inserções bem sucedidas. Consolidou-se como letrista quando passou a atuar sozinho.
Ringo Starr que entrou no grupo quase por acaso, não faz uma carreira solo expressiva, mas tinha, como continua tendo (está vivíssimo), um enorme talento como baterista que nos assegurava a batida característica daquelas músicas mais agitadas, ou as mais românticas e lentas, que nos embalavam. No meu caso, e de tantos jovens, foi responsável, em grande parte, pela formação do gosto musical, e ajudou-nos a aprender inglês. As músicas dos Beatles faziam parte do material que estudávamos no IBEU.
Paul McCartney é o que tem carreira mais longeva. Em todos estes anos nos brinda com novas composições e com a sua forma única de cantar, que nos remete aos tempos dos Beatles, tendo em vistas que ele era o principal vocalista do grupo.
No pique dos seus setenta e poucos anos, demonstrou um incrível vigor, diante de uma platéia anestesiada. Fez uma viagem no que tem de melhor da música internacional, mesclando sucessos dos Beatles com os da carreira solo. Depois de mais de duas horas de um espetáculo impecável, repleto de efeitos especiais, imagens incríveis, que nos remeteram a um passado turbulento, mas em que éramos felizes apesar de tudo, ele finalmente junta a sua trupe para o que ele imaginava ser a despedida em alto estilo. Ledo engano! Aquela multidão se recusava abandonar os seus lugares, e ele teve que retornar ao palco três (3) vezes, para atender aos nossos apelos. Cada vez que voltou cantou três músicas. A apoteose do espetáculo começa quando ele se dirige para o piano e começa os acordes de “Let it be”. Em seguida canta “Live and let die”. Neste momento se deu uma explosão extasiante de fogos de artifício, fora do estádio, com efeitos especiais nos telões, que criaram um clima indescritível. Finalmente a música que encerra o show, antes dos três retornos por solicitação da platéia. A antológica “Hey Jude”. Todos nós cantamos juntos. E no final da música o “Dá, dá, dá,…, .hey jude”, foi de arrepiar ver e ouvir todo mundo cantando em coro de mais de cinqüenta mil pessoas levantando as mãos, sob a regência dele, atuando como maestro. Uma noite para não esquecer. Com aquela platéia predominante de jovens assistindo, ficou a sensação de que o sonho não acabou e que a música de qualidade continua tendo vez, apesar da insistência na mediocridade que prolifera nas rádios FM, nas porcarias das bandas ditas de forró, e de outras apelações de hoje que não terão a menor chance de serem cantadas daqui a dois anos, por serem descartáveis. Foi bom ter vivido o suficiente para ter aqueles momentos esperados há tanto tempo. Obrigado meu Deus! Parafraseando a enorme sabedoria da minha mãe, que sempre usava esta expressão quando algo de bom lhe acontecia. Valeu Paul McCartney!
==================
*Texto publicado em 11/05/2013