José Lemos
No inicio dos anos oitenta, o regime militar agonizava no Brasil, por várias razões. A maior delas era a insistência da inflação em corroer, principalmente, a renda da classe média e dos mais pobres, que formavam (como continuam formando) a base enorme da pirâmide da distribuição desigual da renda e da riqueza no Brasil. No ultimo governo dos militares a inflação chegou à exorbitância de 100% ao ano. Achava-se que era o fundo do poço. Mas no Brasil, o que é ruim sempre pode ficar pior. Foi isso o que aconteceu de fato. Após uma sequencia de frustrações políticas, sobretudo com golpe que foi dado pelo Congresso Nacional em 1984 na vontade popular de eleger o presidente e, posteriormente, com a morte de Tancredo Neves em 21 de abril de 1985.
Foi naquele clima de busca de liberdades democráticas que surgiu, em 1980, o Partido dos Trabalhadores. Nós da academia, e uma parte formadora de opinião no Brasil, acreditávamos que naquele partido estava a (o artigo era definido) saída para a busca de um país menos desigual. A forte liderança do operário que emergiu das greves das portas das fabricas do ABC paulista era uma indicação de que poderíamos esperar um futuro mais promissor para o País. Foi neste clima que eu, e tantos outros, mergulhamos de cabeça naquele projeto: o de fazer o operário o nosso Presidente. Embora não existissem propostas consistentes para o Brasil, acreditávamos que a ética pavimentaria o caminho a ser seguido, se e quando conseguíssemos levá-lo ao poder.
Imagine-se um operário iletrado, mas aprendiz na escola da vida (acreditávamos) como dirigente máximo de um País como o nosso? Era o sonho docemente acalentado por todos nós que nos engajamos naquela aventura. Hoje posso falar assim.
Vieram as eleições de 1989, com o Brasil mergulhado numa hiperinflação de 86% ao mês, uma estagnação econômica e um calote na divida externa que, aliás era uma das propostas (talvez a única) do partido e do candidato que apoiamos e fizemos campanha naquela eleição que dividiu o Brasil.
Frustramo-nos com a perda da eleição para o inimigo maior, numa campanha repleta de golpes baixos. Hoje avalio que não tinham as diferenças que imaginávamos. Seguiram-se as eleições de 1994, 1998 e o nosso operário messiânico não conseguia se eleger. Finalmente conseguimos elegê-lo em outubro de 2002, não sem antes eu e tantos outros ficarmos desconfiados em face das novas companhias buscadas pelo candidato, sobretudo pelo marqueteiro escolhido. Eu assisti à posse pela televisão, com os olhos marejados. Na minha cabeça, assumia a Presidência uma liderança que deveria ter os seus defeitos, como todos nós os temos, mas que levaria para o Palácio do Planalto outra postura administrativa que faria do Brasil um país mais justo e ético.
O discurso pelo social era forte. Haveríamos de acabar com o analfabetismo gritante do Brasil. A escolaridade dos brasileiros iria deslanchar, aproximando-nos de situações de primeiro mundo. A renda seria melhor distribuída. O programa “Fome Zero” cuidaria de assegurar as três refeições diárias para os pobres. O esgoto não mais seria ao céu aberto para milhões de brasileiros. O operário ainda conquistou outro mandato em 2006, e depois elegeu a sua sucessora em 2010, mas já sem o meu voto.
Nove anos depois, em 2011, as estatísticas do IBGE, mostram que nada do que havia sido previsto e prometido aconteceu. A âncora ética que parecia ser o maior trunfo do candidato e do seu partido atolou-se no mar de lamas sintetizado no “mensalão”.
A PNAD com resultados para 2011, que acaba de ser divulgada pelo IBGE, mostra que, embora tenha havido uma redução relativa do percentual da população analfabeta maior de dez anos, entre 2002 e 2011, essa taxa de desaceleração foi menor do que a taxa de crescimento da população, naquela faixa etária. Em 2002 a taxa de analfabetismo da população maior de dez anos era de 11,8%. Em 2011 declinou para 11,5%. Contudo, o total de analfabetos de 2002 naquela faixa etária era de 16.784.106. Em 2011 somavam 19.172.849. Portanto, os analfabetos incrementaram de 2.888.743.
A escolaridade média dos brasileiros em 2002 era de 6,5 anos. Em 2011 ascendeu para apenas oito (8) anos, bem longe dos 15 anos dos países desenvolvidos. Além disso, algo como 60% da população brasileira tem escolaridade inferior à média.
O Governo “promoveu” à classe média quem tem renda mensal de R$251,00, ou 40% do salário mínimo. Pois bem, em 2002, algo como 31,5% dos domicílios brasileiros tinham renda total variando entre zero e dois salários mínimos, numa média de, 0,3 salários mínimos per capita. Em 2011 este percentual havia ascendido para 34,9%, devido à migração pra baixo de parte da população que estava nos estratos maiores de renda. Em 2011, algo como 45% dos domicílios brasileiros não estavam conectados à rede de esgoto. Uma verdadeira tragédia ambiental e de saúde pública.
O Editorial do Estadão desta terça-feira, 25/09/2012 sob titulo “Fracasso Articulado” faz uma analise dos equívocos éticos e, apenas superficialmente, envereda pelos sofríveis resultados econômicos e sociais destes quase doze anos de governo com que sonhávamos no passado. Duro admitir que o sonho acabou.
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Artigo publicado em 29-09-2012