José Lemos*
A cada ano celebramos com os familiares, com as pessoas que nos gostam e com aquelas de quem gostamos o nosso aniversário. Na verdade comemora-se a dádiva de ter vivido mais um ano, nessa breve trajetória errática que temos por este belo planeta. Mas há um paradoxo nessas comemorações porque, de fato, estamos ficando um ano mais próximos de enfrentar a única certeza da vida: a sua negação que é a morte.
As redes de televisão apresentam bons programas em horários em que a maioria da potencial audiência ainda está dormindo. São programas de qualidade e educativos que não merecem uma única chamada no dito horário nobre. Para esses horários as chamadas são destinadas à divulgação das novelas que deseducam, as sujeiras eletrônicas que inundam as tardes de sábados e domingos em todos os canais abertos, e ao famigerado BBB, um desfile de decrepitude, excrescência e degeneração social.
Um desses bons momentos de reflexão educativa é apresentado diariamente pela Globo às seis da manhã, na série “Sagrado”, que discute temas importantes sob a ótica de diferentes religiões. Há poucas semanas foram abordados os mistérios da morte na perspectiva de diferentes religiões. Em todas elas fica claro que há muito mais mistérios do que certezas acerca do que nos acontecerá no dia em que deixarmos esta vida. Mas as religiões, no geral, funcionam como amortecedores de tensões. Claro que existem os excessos, com rituais repletos de gritarias incitados por lideranças que transformam momentos que deveriam ser de paz, em manifestações de excitações por parte de seguidores, que culmina se transformando em fanatismo. Por esta via, obviamente que os rituais religiosos mais atrapalham do que ajudam na reflexão sobre temas importantes como o respeito ao próximo, a paz, a ética e o próprio sentido da vida em comunidade.
Um aspecto relevante, na minha avaliação, que deveria ser cultuado por todos os humanos é a necessidade da busca da felicidade aqui na terra. Já que não temos garantia de que haverá felicidade depois da nossa passagem, então que façamos tudo para viver com dignidade, com nível elevado de bem estar por aqui. Se a outra vida existir, e lá for o paraíso prometido pelas religiões, então seremos duplamente felizes, nesta e na outra vida.
Quando a religião toma o partido dos poderosos, a pregação é na direção de que o sofrimento físico e a pobreza material são necessários para que essas pessoas incautas atinjam a felicidade pós-morte. Óbvio que este endereçamento tem um forte componente ideológico e antiético, mas que quase sempre surte o efeito buscado por quem as prega que é justamente a acomodação com determinado ‘status quo’. Mais pobreza com maior ignorância, mais esse tipo de dominação se manifesta e se consolida.
Observe-se que, não raro, grandes tiranos se dizem religiosos contritos. Quando querem tirar algum proveito de uma massa desassistida pelas suas próprias ações, um dos caminhos que escolhem é o dos templos religiosos. Mesmo aqueles que dizem não profetizar qualquer religião, aparecem “contritos” no meio da gente humilde, se isso lhes for conveniente. Neste ano de 2010, esta será uma cena muito freqüente que presenciaremos dos catadores de votos que os querem apenas para conquistar o poder e, através dele, terem capacidade de influenciar, ficar perto dos cofres públicos e enriquecerem. Qualquer semelhança com o que acontece nos rincões mais pobres deste Brasil varonil, insistentemente deitado em berço esplendido de alguns, não terá sido mera coincidência.
Contra esse tipo de pregação, precisamos contrapor outra que deve ser libertadora, para que os pobres de bens materiais adquiram consciência e conquistem os espaços que todos somos merecedores. Temos que identificar e divulgar amplamente os nomes daqueles que fazem da coisa pública a extensão da sua vida privada. Aqueles que se transformam em profissionais da política para transgredir a legislação que vale para os “comuns”, para que sejam banidos em definitivo. Somente “empoderando” as pessoas, criando-lhes condições para que decidam acerca do seu destino, pode-se conquistar uma sociedade mais justa, até para exercitarem o direito de optarem ou não por uma religião.
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*Professor Associado na Universidade Federal do Ceará. www.lemos.pro.br.
25/02/2010