José Lemos*
Finalmente o Governo Federal divulgou o que considera o seu “Programa de Combate à Miséria” ou à “Pobreza extrema” no Brasil. Em principio qualquer ação voltada para combater a pobreza, com qualquer adjetivo, é bem vinda. Na verdade o esforço de todos deveria ser para que não existisse um único terráqueo sobrevivendo sob as condições desumanas de extrema carência.
Não obstante concordar com a idéia e com a filosofia do programa há divergências relevantes no que concerne aos critérios utilizados pelo governo para identificar o que seria pobreza extrema no Brasil. Praticamente a definição se baseia na renda mensal de R$70,00 por pessoa. Critério extremamente reducionista, para um conceito que é, em essência, bastante amplo ou holístico.
A pobreza, com qualquer adjetivação, não é um fenômeno causado apenas pela carência de renda monetária. Há múltiplas facetas que fazem com que uma pessoa, uma família, um município, um estado, uma região ou um País sejam assim identificados.
No Relatório de Desenvolvimento Humano de 1997, que cuidou exclusivamente do estudo da pobreza no mundo, a ONU faz as seguintes sínteses: “Pobreza significa a negação de oportunidades de escolhas mais elementares ao desenvolvimento humano”.
Em trabalho de pesquisa que tivemos a oportunidade de realizar nos municípios maranhenses de Bequimão, Itapecuru, Serrano do Maranhão, Fortuna, São Domingos do Maranhão e Santa Rita, em que se estudavam os indicadores de qualidade de vida das famílias, perguntamos para as pessoas carentes daqueles municípios o que significava ser pobre. Uma das respostas mais contundentes foi a seguinte: “Pobreza é não ter casa ‘prá morá’, não ter o ‘dicomer’, não ter em que ‘trabaiá’….”
Das passagens acima se depreende que apenas a privação de renda monetária não estabelecerá definitivamente a diferença entre ser ou não ser pobre, acompanhada ou não de qualquer qualitativo que se queira, como “extremo”, ou “moderado”.
Além disso, as dimensões de pobreza serão diferentes se as pessoas ou famílias estiverem na zona rural ou na zona urbana. Na zona rural, a pobreza acontecerá se as famílias não dispuserem de terras em quantidade e qualidade suficientes para produzir ao menos os alimentos que consomem. Caso disponham ao menos dessas condições terão uma ‘renda” que identificamos como “renda não monetária”. A pobreza neste caso está associada à impossibilidade da família produzir o próprio sustento, não morar com um mínimo de dignidade, e não ter acesso a ativos essenciais como água, saneamento, coleta de lixo e escola para os filhos.
Sem essas condições migrarão para as cidades e constituirão outro tipo de pobreza: a urbana. Nesses locais, as pessoas para se alimentarem precisarão trabalhar e receber salários. Como, em geral, estão despreparadas para os tipos de trabalhos oferecidos nas cidades, não terão condições sequer de adquirirem os alimentos essenciais. Ocupam as suas áreas de risco, aglomeram-se em favelas, palafitas, sem água encanada, sem saneamento, com transporte deficiente, sem escolas para os filhos. Aí sim: serão pobres extremos ou miseráveis.
Sob esses argumentos fica difícil entender como diferenciar alguém que tenha renda mensal de R$70,00 de outro que tenha renda mensal de R$75,00. Esta ultima não estará enquadrada nos critérios definidos pelo Governo de ser pobre em extremo e, portanto, não será alcançada pelo programa, que já nasce cometendo injustiças sociais.
Parece-nos que melhor do que esta definição seria incorporar como estando em extrema carência, em vez de pessoas, as famílias que sobrevivessem em domicílios com renda monetária variando de zero a no máximo um salário mínimo. Com base na PNAD de 2009 estimei que a renda média deste grupo para o Nordeste, região mais carente do Brasil, equivale a 0,80 salários mínimos por domicilio. Como a média por domicílios do Nordeste é de 3,8 pessoas, a renda per capita domiciliar, baseada no atual salário mínimo deste ano seria de R$114,00. As pessoas estariam em pobreza extrema se, alem da renda domiciliar ficasse abaixo deste patamar, estivessem privadas de acesso à água encanada, destino adequado para dejetos e coleta de lixo. Uma combinação de carências. Nestas condições sobrevive aproximadamente 14% da população brasileira.
Combater pobreza não deve se restringir apenas às ações de transferências de renda, mas através de ações estruturantes: Entre estas estão o desenvolvimento rural que freará a migração desordenada; o acesso dos pobres aos ativos sociais de água encanada e saneamento; criação de programas de inserção dos pobres no mercado de trabalho. Isso apenas será possível incrementando-lhes a escolaridade. Os extremamente pobres são analfabetos ou tem menos de quatro anos de escolaridade. Sem isso se produz estatísticas de pouca utilidade prática, mas excelentes para catapultar carreiras políticas.
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*Professor Associado na UFC. Escreve aos sábados para “O Imparcial”.
14/05/2011.