José Lemos*
Mais uma vez eu quero pedir licença aos meus leitores deste Jornal para expor algumas coisas que dizem respeito à minha trajetória por este belo Planeta Azul.
Quero falar do feriado particular que todos nós temos. Em português falamos, indistintamente de aniversário, quer estejamos nos referindo à data do nascimento, ao primeiro encontro com a pessoa que nos apaixonamos, ao primeiro beijo… Falamos de aniversário do nosso primeiro emprego. Da compra da casa. Em inglês há uma palavra específica para designar “aniversário” de gente: “birthday”. “Dia do nascimento”.
No dia do nosso aniversário, como falamos na nossa língua, fica a dúvida na minha cabeça se devemos comemorar um ano a mais na nossa vida, ou ficar triste pelo fato de ter um ano a menos, no restante da nossa trajetória por aqui.
Raramente fazemos este tipo de reflexão quando temos menos de trinta anos. Nessa fase da vida o nosso horizonte de permanência por aqui nos parece indefinido. Infindo. Tanto assim que abusamos da extravagância. Comemos e bebemos quase tudo o que se nos apresenta pela frente. São para gente nessa fase etária que são destinadas as propagandas de bebidas alcoólicas, refrigerantes, comidas como “fast food”…
Observe-se que as propagandas que visam à conquista de público para essas “maravilhas” sempre são veiculadas por gente moça e bem afeiçoadas, segundo os nossos padrões convencionais de beleza. Esses instrumentos de persuasão não dispensam a participação de pessoas bem sucedidas nas artes, nos esportes… Os apelos são justamente para conquistar os jovens que ainda tem toda uma estrada pela frente…
Contudo, nós somos os que construímos a nossa trajetória. Saber usar bem o tempo quando ainda jovens para estudar, para sonhar, para pensar no que faremos no futuro. Quando não tivemos a sabedoria de fazer assim, por não termos sido bem orientados numa fase da vida em que as incertezas são as certezas que se nos aguardam, lá na frente poderemos ter, como presentes, os dissabores.
A trajetória da vida não perdoará equívocos. Ainda que recebamos uma boa formação de princípios, valores consistentes, na nossa casa, quando nos expomos, estaremos sujeitos a uma montanha de situações, eventos, “aconselhamentos” que nos bombardeiam mostrando falsos fáceis caminhos. Atalhos equivocados, para chegarmos mais rápido aos objetivos, também às vezes não muito consistentes ou bem pensados.
Um dos conceitos básicos da Geometria Euclidiana é que a menor distância entre dois pontos é dada por uma reta. Esse fundamento, quase nunca (eu me arrisco a dizer jamais), pode ser aplicado na nossa vida em busca dos nossos objetivos.
Para atingir o que desejamos, precisamos absorver a sabedoria dos rios que “serpenteiam”, e até despencam de obstáculos, na sua caminhada na direção do próximo oceano que ele, o rio, sabe que está mais na frente e é o seu objetivo. Quando não atrapalhamos, com a “nossa sabedoria”, o rio vai seguindo o seu caminho repleto de curvas, espalhando e cultuando vidas nas suas margens, nas suas águas. Promove nessa caminhada espetáculos de beleza, sabores, aromas e formas que nos encantam.
Na sua trajetória rumo ao seu objetivo, o rio encontra riachos, córregos, filetes de água que logo “percebem” que se tornarão mais fortes se fizerem parte de uma estrutura maior, mais caudalosa. Tendo as suas poucas águas fazendo parte de uma massa maior que o rio representa, “sabem” que as suas perdas via evaporação, por exemplo, serão bem menores. E caminham juntos num só corpo até chegarem ao mar.
Aprendendo com essa sabedoria nós poderemos, a cada dia, a cada semana, a cada mês, a cada ano, seguir a nossa caminhada nos preparando para driblar os obstáculos que aparecerão. Devemos saber incorporar na nossa caminhada outras pessoas que, independentemente de serem mais encorpadas ou não do que nós mesmos, estão dispostas a caminhar juntos na direção dos objetivos que planejamos para a nossa vida. E que pode ser comum a elas também. Decisão difícil, mas sábia.
Lá na frente, no que agora é o futuro, com certeza receberemos os presentes que tivemos a sabedoria de preparar no nosso agora presente. Colheremos no futuro dissabores, sofrimentos, doenças crônicas se, no passado, não tivemos a sabedoria dos rios, ou tentamos levar a sério aquilo que ensina a geometria euclidiana.
Poderemos ter outro desfecho, se fomos inteligentes o suficiente para entender, que o nosso futuro será produzido no momento que agora é presente, mas que será passado quando o futuro se fizer presente. Com certeza, não conquistaremos, no futuro, tudo o que planejamos no passado. Mas teremos muito mais chances de deitar e dormir todos os dias em paz com nós mesmos, se tivermos a convicção de que não tentamos adotar a “esperteza” de usar a lei da geometria euclidiana, passando a perna em outras pessoas, deixando rastros de sujeiras, fazendo pessoas infelizes por nossas ações na busca dos nossos objetivos. Quaisquer meios não justificarão fins. Ainda que nobres.
Acho que a comemoração do “birthday” serve também para isso. O meu é neste dia 25 de fevereiro. Nasci também num sábado de carnaval. Acho que é por isso que eu gosto tanto das festas momescas. Pena que neste ano, mais uma vez, não poderei passar na minha terra, São Luís, onde se faz um dos mais autênticos carnavais deste Brasil.
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*Professor Titular, Coordenador do Laboratório do Semiárido na Universidade Federal do Ceará. Artigo publicado no dia 25/02/2017.