José Lemos
Aprende-se e apreende-se que na democracia todo poder emana do povo e em seu nome deve ser exercido. Isso supõe que as decisões políticas devem estar ancoradas no que a maioria da população decidir.
Num regime presidencialista, como o nosso, o Chefe de Governo é também o Chefe de Estado. Um grande poder nas mãos de uma única pessoa. Ao contrário dos regimes parlamentaristas em que as Chefias de Governo e de Estado são exercidas por personagens diferentes.
Na metade dos anos oitenta, quando os governos dos militares estavam nos seus limites de desgaste, após 20 anos no poder, os brasileiros foram às ruas em multidões para reivindicarem o direito de elegerem diretamente o seu Presidente. A vontade da maioria naquelas célebres manifestações de 1984, foi solene e convenientemente escamoteadas pela Rede Globo, justamente para não ficar feia na foto com os militares. Justo essa rede que cresceu sob aquele regime e que criou tentáculos dentro e fora do Brasil, sempre ancorada em benesses dos governantes de ocasião. Claro que precisava manifestar reciprocidade e conivência. Com isso conquistou o poder que hoje exerce.
Pois bem, aquela era a vontade popular. Portanto, se o poder deve emanar da vontade popular e em seu nome ser exercido, era de esperar que assim fosse a manifestação dos parlamentares que decidiriam em Assembléia. Movidos sabe-se lá por qual tipo de interesses, a maioria daqueles que deveriam referendar a vontade popular, viraram as costas e decidiram pela continuidade da eleição indireta. Uma das maiores frustrações da história política contemporânea brasileira.
No que se convencionou chamar de Democracia Brasileira os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário seriam autônomos e independentes. Autonomia e independência pressupõem que cada poder deveria agir sempre sintonizado e em nome do bem comum. Para isso é que foram designados e pagos regiamente pelos cidadãos.
Mas não é assim que acontece no Brasil depois do que se chamou Redemocratização. De 1985 pra cá, o que se viu é um domínio de todos os Chefes dos Poder Executivo sobre todos os demais poderes. O exercício do poder se dá pela cooptação dos deputados, pelo alinhamento dos membros dos poderes legislativo e judiciário. Isso se estende aos estados, Distrito Federal e aos municípios.
No Brasil há uma espécie de doença congênita, que está no âmago do que estabelece a Constituição Federal. Os Dirigentes do Poder Judiciário são indicados pelo Presidente da Republica. Um fato tão escandaloso que a cada eleição para Presidente se faz a conta de quantos membros titulares dos superiores tribunais serão nomeados (sim, nomeados, porque a tal “sabatina no Senado é pro – forma) pelo presidente eleito.
Quando a composição dos onze Ministros que estão no STF é conveniente para o Presidente de ocasião, eleva-se a idade em que devem ser compulsoriamente substituídos, como foi o caso do Governo passado que elevou a idade compulsória dos Ministros, de setenta (70) para setenta e cinco (75) anos porque aquela composição de senhores e senhoras togadas convinha aos poderosos de então.
Tudo com a aquiescência e a conveniência do parlamento, também devidamente cooptado por interesses pessoais de cada um dos 513 deputados e 81 senadores, como liberação de verbas, cargos públicos para amigos, parentes, cabos eleitorais, direção de ministérios, secretarias de estado, domínio em cada um dos 5.570 municípios…
O Presidente da República no Brasil, a partir de 1985, para construir o que passou a se chamar de “Base Aliada”, rateia os cargos nos Ministérios. Recentemente, as entregas dos Ministérios eram feitas pelo que se chama no Brasil, sem o menor pudor, de “Eentrega com Porteira Fechada”. Isso significava que o Cacique, do Partido aliado que tomava conta do Ministério, nomeava do Ministro (quando não era ele mesmo) ao cargo mais humilde daquele feudo que passaria a ser seu enquanto fosse conveniente para o Presidente. Essa prática, claro, se estende aos estados e municípios.
A competência técnica e a afinidade com a função não contam. Os escolhidos para esses cargos os assumem, não pensando no bem comum. Nas suas cabeças não passa que eles chegaram até ali porque alguém que recebeu voto popular os indicou como seus representantes naquelas pastas. Quem os nomeou também não está preocupado com isso. Regra geral, com raras exceções, eles passam todo o seu período de “Gestão” preparando as suas “bases” políticas para mais na frente se darem bem. Claro que isso não pode funcionar. Reúnem os ingredientes para a corrupção, para que pessoas inescrupulosas assumam cargos pensando no enriquecimento pessoal e familiar.
Antes da eleição passada para Presidente da República, multidões foram às ruas ancoradas naquela máxima de que o poder deveria vir delas. Não dava mais para tolerar os desmandos que eram evidentes no País. Gente de todas as matizes ideológicas o fizeram movida por um único ideário: mudar tudo aquilo. Na falta de outra qualificação, todos, indistintamente, foram taxados por aqueles que se davam bem na estrutura anterior de poder de “direitistas”, “reacionários”, “saudosistas dos Governos militares”.
Aquelas manifestações, muito parecidas com as de 1984, levaram ao poder um projeto que estava explicito. Um dos itens do projeto é fazer um reparo no descontrole das contas públicas. Fonte primária de todas as mazelas deixadas pelos governos anteriores. Portanto, essa foi a vontade da maioria. Esse projeto deveria ser acatado com alguns ajustes para aprimorá-lo pelos representantes também eleitos. Os que foram derrotados, em nome do que se chama democracia, bem como os meios de comunicação social, deveriam acatar a vontade da maioria, Mas o que estamos vendo?
A democracia não vem da vontade da maioria, quando não convém para alguns?
========================
Texto para o dia 20/04/2019.