José Lemos
No meu curso de Engenheiro Agrônomo, na Ex-Escola de Agronomia da Amazônia, depois Faculdade de Ciências Agrárias do Pará e atual Universidade Federal Rural da Amazônia eu, e os meus 66 colegas de turma tínhamos um Professor que, na tentativa de nos estimular e também de incrementar a nossa responsabilidade, como futuros profissionais, dizia que o “Engenheiro Agrônomo é superior ao tempo”.
As aulas práticas daquele Professor que, felizmente continua vivo, lúcido, fazendo pesquisas, dando palestras, no apogeu dos seus noventa e poucos anos, se davam em ambientes externos à Escola. Viajávamos em dois ônibus, em tardes muito quentes e úmidas de Belém. Depois de algum tempo, com a bagunça característica de jovens tendo a volúpia de quem recém entrou nos vintes anos, chegávamos ao local das aulas, quase sempre sob um forte toró de chuvas, muito característico daquela bela cidade. O Professor era o primeiro a descer do ônibus. Chamava-nos já vaticinando em voz firme, com a sua autoridade inquestionável, a célebre frase.
Como ele já não era tão moço, ficávamos intimidados, porque dele vinha o exemplo, e não havia alternativa. Tínhamos que enfrentar as intempéries, mas valia à pena, haja vista que assistiríamos a mais uma das suas profícuas e interessantes aulas de “Agricultura Especial”, a disciplina que ele lecionava. Todos nós com indumentárias a caráter: calçando botas, vestindo calça jeans e bata azul clara, onde se lia o nosso nome sobre a roda dentada, símbolo do nosso curso e profissão, bordada à mão no bolso esquerdo. Sob a roda dentada, na base do bolso, estava bordado também a mão o adjetivo que muitos nos empolgava: “Acadêmico de Agronomia”.
Nos dias (12) de outubro reverencia-se, respeitosamente, a Padroeira do Brasil e reforçamos os nossos carinhos às nossas crianças brasileiras. Nesse dia, em 1933, o Decreto Presidencial N° 23.196 regulamentou a profissão de Engenheiro Agrônomo.
Evidente que eu não poderia deixar passar essa data sem fazer algumas reflexões acerca de uma profissão que sempre teve e continuar tendo, uma fortíssima inserção social. Por isso mesmo, imprescindível num mundo em que a população cresce, e as áreas aptas para a produção de alimentos se restringem.
Perdemos muito do que conquistamos no passado, em grande parte, por descaso das políticas públicas que deixaram a pesquisa agronômica, a assistência técnica, a extensão e o fomento rural entregues à própria sorte. Mas precisamos reconhecer que grande parte dos problemas enfrentados pela profissão deve ser debitada à nossa desorganização e falta de corporativismo. Sim, por que não corporativismo? Os médicos e os advogados defendem com todas as armas os seus espaços. Por que não fazemos o mesmo como Engenheiros Agrônomos? Por que aceitamos outros profissionais entrarem na nossa área de atuação, opinarem sobre cultivos, pragas, doenças de plantas e até sobre fertilidade e aptidão de solo?
Nós, os Engenheiros Agrônomos, desafiamos e desmentimos os vaticínios malthusianos de que a produção de alimentos não conseguiria acompanhar o crescimento das populações. Com conhecimento, muita pesquisa e muita abnegação, fomos capazes de superar o tempo e proporcionar respostas impressionantes. Além de desmontar categoricamente aquelas previsões catastróficas de Malthus, conseguimos, tendo profissionais de outras áreas afins a nos coadjuvarem, fazer com que a produção de alimentos no mundo supere as necessidades atuais da população.
Não obstante este fato, neste momento há em torno de um bilhão de terráqueos passando fome. Mas isso não decorre da retração da produção de alimentos, como foi dito no parágrafo anterior, mas da sua má distribuição. É causada pela especulação feita por agentes que nunca entraram num roçado para ver como acontecem as complexas relações que viabilizarão a produção agrícola. São especuladores que ganham muito dinheiro com a manipulação de estoques de alimentos, o que encarece os seus preços, tornando-os inviáveis para aquele contingente de irmãos que não tem renda suficiente. Óbvio que se trata de problema político, que extrapola a vertente técnica, que precisa ser resolvido pelo diálogo e pela diplomacia entre os países, para que aqueles seres humanos possam ter acesso a um direito fundamental e vital: alimentação em quantidade e em qualidade.
Além desse, o desafio da humanidade, e nosso, os Engenheiros Agrônomos, é continuar gerando conhecimentos científicos, e aplicá-los para continuar produzindo alimentos e matérias primas para diferentes fins, inclusive para a agroenergia, num mundo em que as terras agricultáveis estão “encolhendo” por várias razões: devido à urbanização das populações em crescimento que tendem a ocupar áreas antes voltadas à agricultura; e pela degradação dos solos, devida à utilização de práticas inadequadas por parte de agricultores de diferentes portes. No Brasil ainda temos o desafio de enfrentar, no presente, o não reconhecimento que tínhamos num passado nem tão remoto assim, quando o Engenheiro Agrônomo foi um dos profissionais de muito prestigio. Prestigio que não conquistamos gratuitamente, mas pela relevância do nosso trabalho e que precisamos resgatar para que possamos incrementar a autoestima e atrair jovens talentosos para injetarem vigor na nossa profissão. Isso promoverá a necessária e salutar renovação dos nossos quadros.
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*Artigo publicado em 13/10/2012.