José Lemos*
Segundo o calendário da Organização das Nações Unidas, o primeiro de outubro é destinado para “comemorar” o Dia Internacional do Idoso, aquelas pessoas que conseguem a ousadia de ultrapassar o desafio de viver mais de 65 anos.
Com os avanços na medicina preventiva e curativa, bem como, pela inserção mais intensiva de profissionais das áreas sociais que lhes prestam assistência, inclusive lúdica, observa-se uma tendência de elevação desse contingente na população mundial. No Brasil, não é diferente. Com efeito, em 1992 a população brasileira era de 146 milhões de pessoas e tinha 5,3% ou 7,67 milhões de idosos. Em 2008, de acordo com o IBGE, a população brasileira é de aproximadamente 190 milhões, das quais 14,5 milhões (7,7%) com mais de 65 anos. Portanto, nestes 17 anos a população de idosos dobrou em termos absolutos e teve um incremento substancial em termos relativos.
O incremento de serviços médicos e sociais se reflete na elevação da longevidade. Países como Japão, Noruega e Suécia, por exemplo, já tem esperança de vida ao nascer acima de oitenta anos. No Brasil nos aproximamos de 72 anos de expectativa de vida ao nascer. Contudo há um diferencial bastante significativo, neste indicador, entre as regiões Sudeste-Sul em comparação com o Nordeste-Norte. A esperança de vida ao nascer por aqui é pelo menos seis (6) anos abaixo da média nacional, e 10 anos abaixo da média de muitas cidades do Sudeste e do Sul.
Isto não acontece por acaso. De acordo com o Livro “Mapa da Exclusão Social, Radiografia de Um País Assimetricamente Pobre” na sua segunda edição de março de 2008, o Nordeste concentra o maior bolsão da população socialmente excluída do Brasil (aquela que não tem acesso à água encanada, destino adequado para dejetos, coleta de lixo, educação e renda). O Norte posiciona-se logo em seguida neste ranking às avessas. Os idosos e as crianças são os sujeitos sociais mais vulneráveis à baixa qualidade de vida, daí a longevidade em áreas expressivas dessas duas regiões está aquém daquela observada nos rincões mais progressistas do Brasil.
Há quatro anos fui convidado para orientar trabalhos de conclusão do Curso de Pós-Graduação em Gerontologia da Universidade Estadual do Ceará. A primeira reação foi de estranhar e de não aceitar o convite, por fugir completamente das áreas que normalmente eu faço pesquisa e trabalho. Ainda assim, para não cometer descortesia (este foi o sentimento do primeiro momento) pedi um tempo para dar a resposta. Tempo que aproveitei para pesquisar e estudar sobre aquele tema desafiador. Favoreceu-me o acesso à bibliografia, o fato de eu ter próximo de mim, inclusive no relacionamento familiar, pessoas que haviam se especializado naquela área. Assim, depois de muita reflexão acabei concordando em orientar quatro trabalhos daquele curso. Talvez aquela tenha sido uma das experiências mais fascinantes da minha atividade de Docente.
Os temas eram tão diversos como sexualidade na terceira idade, idosos pacientes terminais de AIDS, e historias de vida daqueles que haviam sido “depositados” (este é o verbo) por parentes próximos, boa parte por filhos, em casas de idosos. Desenhamos uma metodologia que conseguiu captar as principais dificuldades daquela gente. Registramos relatos impressionantes que serviram para eu aferir como são tratados muitos desses seres humanos pelos mais novos. Impressionou-me constatar que existem filhos que tem a coragem de “depositarem” seus pais naqueles locais e sequer deixarem qualquer endereço para localização, ou o deixam de forma adulterada premeditadamente.
Assim, os idosos têm contra si uma série de fatores desfavoráveis, grande parte deles gerados dentro do próprio ambiente familiar. Alem disso as políticas públicas lhes penalizam, não lhes proporcionando renda monetária suficiente para prover-lhes um padrão de vida com um mínimo de dignidade numa fase da vida em que já não tem mais vigor para exercitar tarefas que requeiram esforços e em que as demandas por medicamentos e por serviços de assistências médica e social se tornam mais intensas.
Como se não bastassem as agruras do passar do tempo, volta e meia surgem investidas fortes de governos para lhes retirarem benefícios penosamente conquistados ao longo da vida. Recentemente um ex-ministro do atual Governo, Presidente do Partido dos Trabalhadores, aquele que enquadrou os Senadores desse partido a se posicionarem contra a vontade dos brasileiros nos episódios recentes e vergonhosos do Senado, fez com que os idosos experimentassem o constrangimento de ficarem intermináveis horas em filas, sob sol, chuva, calor ou frio, em nome de um recadastramento que a sua burocracia burra, perversa e incompetente, havia imaginado. Ou seja, para aquele senhor, as pessoas eram desonestas até prova em contrário. Aquela velha regra de aferir o caráter dos outros com a régua que mede o próprio caráter.
Durante o Governo FHC foram feitas investidas, que não aconteceram, para cobrar dos aposentados a contribuição previdenciária. O governo atual, que eu ajudei a eleger em 2002, impôs aos idosos este “presente” de grego.
Contudo, nem tudo está perdido. A aprovação recente do Estatuto do Idoso veio como um instrumento para que sejam reconhecidos e efetivamente aplicados os direitos de envelhecer com dignidade, num País em que o charme é cultivar a juventude, como se os jovens também não envelhecessem. Não obstante esta conquista ainda se observa que não se aplicam integralmente. Cabe aos movimentos sociais, aos intelectuais, às Universidades, às escolas em geral, trabalharem conjuntamente para que o Estatuto seja aprimorado naquilo que for preciso e aplicado na sua plenitude. Afinal, se não morremos jovens, envelhecer é um fenômeno biológico consequente. Inexoravelmente!
22/10/2009