José Lemos
Neste 25 de setembro celebramos os noventa anos do radio no Brasil. Este senhor que provocou uma revolução nas comunicações, continua firme e não pensa em nos abandonar jamais. Houve época em que as estações de rádio exerciam uma influencia muito grande, como principal, ou único vetor de formação de opinião num país que, em pleno século vinte e um, ainda tem dez por cento da sua população analfabeta. Um percentual ainda mais elevado possui um baixo nível de escolaridade e tem dificuldade em obter informação impressa que implica em leitura. Imagine-se como isso acontecia no primeiro quartel do século passado, quando o rádio chegou por aqui.
O rádio foi importante na minha formação, no meu gosto pela musica, e como instrumento de aprendizagem. Foi ouvindo estações como a BBC de Londres e Voz da América que eu avancei bastante no aprendizado do inglês. Estudava no IBEU de São Luis e, em casa, ouvia a programação daquelas emissoras num radio portátil transglobe da Philco (alimentado por seis pilhas de lanterna) que tinha uma faixa de ondas médias (AM), uma de ondas tropicais e seis de ondas curtas. Ainda não havia estações de rádio com freqüência modulada (FM), nos anos sessenta, quando fui adolescente em São Luis.
Ouvia Rádios como a Nacional e Globo do Rio de Janeiro, Bandeirantes e Record de São Paulo. Havia locutores consagrados nacionalmente como Waldir Amaral da Radio Globo, Walter Foster da Bandeirantes que também era galã de cinema e depois de novelas televisivas. A propaganda da Bandeirantes dizia que ouvir a transmissão de futebol pelas suas ondas era como se o ouvinte estivesse à beira do gramado. Não era distante do real.
Havia as paradas de sucessos aos sábados ou nos domingos. Nelas eram apresentados, em ordem decrescente, os sucessos da semana (Top 40). Os discos mais vendidos e mais tocados em LP, mas ouviam-se músicas gravadas também co compacto simples (single em inglês) com uma música em cada face e os compactos duplos, com duas músicas em cada face.
As noticias eram transmitidas a cada hora. As estações apresentavam os grandes jornais falados (era assim que eram chamados), tendo repórteres correspondentes espalhados pelo País e no exterior. As noticias da guerra do Vietnã nos alcançaram pelas ondas do rádio. O Brasil quase inteiro acompanhou a chegada da primeira espaçonave à lua em julho de 1969, pelas ondas do rádio, embora já houvesse televisão em poucos lares.
São Luis possuía pelo menos três estações de rádio da melhor qualidade: Difusora, Ribamar e Timbira. Depois se incorporaram a Gurupi e a Educadora. A Difusora detinha a maior audiência na capital e no interior do estado. Na sua propaganda dizia: “A estatística comprova, em cada dez ouvintes, nove estão conosco”. Podia haver algum exagero na informação (não havia IBOPE), mas isso era de menos. As estações prestavam serviços interessantes. Geralmente no começo das tardes havia programas em que as pessoas mandavam mensagens na forma de avisos para os parentes e amigos no interior e para fora do estado. Ao final de cada mensagem vinha a célebre frase: “quem ouviu este aviso, favor transmiti-lo ao destinatário”. E assim as mensagens chegavam ao seu destino. Sempre!
No horário de almoço na Difusora, Fernando Sousa lia, com aquele belo vozeirão, as crônicas bem escritas por Bernardo Coelho de Almeida: “A Difusora Opina”. Eram apresentados temas atuais, de política, economia, cultura, religião, sempre de forma clara e contagiante.
Todas as emissoras tinham programas esportivos pela manha, na hora do almoço e no começo da tarde, antes da “Voz do Brasil”, que entrava no ar, rigorosamente às sete da noite, com os belos acordes de “O Guarani” de Carlos Gomes.
O aparelho do rádio ocupava lugar de destaque na sala de visitas das casas de posses mais privilegiadas. Dividia este privilegio com uma lustrosa vitrola, estante de madeira e com um conjunto de sofás, onde as famílias se sentavam para acompanhar as noticias, jogos de futebol, musicas e novelas. Havia novelas nas manhãs, tardes e no começo da noite.
De São Luis eu também ouvia, pelas ondas curtas, emissoras paraenses como Marajoara, Guajará e Clube de Belém, interessado que estava em estudar naquela cidade. Nas emissoras paraenses, nas maranhenses, nas do Rio de Janeiro, de São Paulo, ouviam-se boas músicas cantadas pelos Beatles, Mamas and Papas, Rolling Stones, Credence Clearwater Revival, Elvis Presley, Frank Sinatra, Andy Williams, dentre tantos outros. As músicas francesa e italianas também faziam sucesso: Charles Aznavour, Pepino de Capri, Nico Fidenco, Gilbert Becaud entre tantos que fizeram a minha cabeça de garoto em São Luis. Despontavam cantores e compositores nacionais como Roberto Carlos, Erasmo Carlos que comandavam o movimento chamado Jovem Guarda. Época das guitarras com sons eletrônicos. Mas surgiu outro movimento musical com batida característica de violão, que se opunha à Jovem Guarda: A Bossa Nova. João Gilberto. Tom Jobim, Vincius de Morais, Baden Power, dentre tantos outros, eram as grandes estrelas do movimento.
Os festivais da Record, do final dos anos sessenta, revelaram para o Brasil o Chico Buarque, Milton Nascimento, Caetano Veloso, Gilberto Gil. O movimento Tropicália tinha naqueles baianos as suas maiores lideranças, mas trouxe junto “Os Mutantes” com Rita Lee, Gal Costa, Maria Bethania, os Novos Baianos… Tudo, ou quase tudo, tendo o rádio como o grande veiculo de divulgação. A televisão ainda não tinha a penetração de hoje.
Na minha modesta avaliação, o surgimento do rádio foi a maior revolução nas comunicações no mundo e no Brasil. Do radio surgiram os locutores e apresentadores que fariam sucesso depois na televisão e no cinema. O rádio criou mitos. As pautas, as noticias, as sequencias musicais eram feitas por profissionais que quase sempre desconhecíamos a imagem. Mas eram lidas e faladas por locutores que reconhecíamos as vozes. Eu sou muito grato a eles pelo que me ensinaram. O meu gosto musical foi todo sedimentado e lapidado ouvindo rádio AM e em ondas curtas. O rádio ajudou-me a manter-me informado e instruiu-me.
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*Texto escrito com exclusividade para o Jornal Pequeno. Publicado em 30/09/2012