José Lemos
Neste dia 31 de outubro, de um ano atípico em que este mês teve cinco sextas-feiras, cinco sábados, cinco domingos e cinco segundas-feiras, aconteceu mais um fato inusitado: Nasceu nas Filipinas, um país pobre e densamente povoado, considerando o seu pequeno território, a sétima bilionésima criatura da Terra. Assim mesmo, com “T” maiúsculo, em sinal de respeito, apesar dos maus-tratos que nós, seres humanos, que nos jactamos de civilizados, lhe dedicamos, diferentemente do que fazem os demais seres vivos tidos por nós como irracionais.
Já tive a oportunidade de escrever sobre o tema, mas como se trata de assunto da maior relevância gostaria de estender um pouco mais a discussão acerca do que representa esta assustadora marca para o nosso Planeta Mãe que, na prática, encolhe na medida em que avança a população terrestre sobre o mesmo espaço físico. Isto significa mais gente por unidade de área.
De toda a superfície terrestre, aproximadamente dois terços é constituído de água. Predominando as águas salinizadas. Tudo isso agravado pela urbanização das populações que induz a construção de moradias (cada vez menores) que avançam em áreas que outrora estavam destinadas à produção de alimentos. Além do mais, não se pode negligenciar o fato de que parte considerável dos solos agricultáveis está degradada, em desertificação, ou já desertificada, o que dificulta ou inviabiliza o seu cultivo para produzir alimentos.
Estimando-se que, na média, as necessidades diárias de alimentos por pessoa (preservadas a sua composição com os elementos essenciais) é de pelo menos um quilograma, vê-se logo o tamanho do problema que nos defrontamos nesta área vital. Diariamente temos que ter disponíveis no mínimo sete (7) milhões de toneladas de alimentos. Valor que anualizado proporciona o assustador volume de 2,56 bilhões de toneladas. Isto tem que ser produzido, como se falou acima, numa área menor e que tende a encolher, devido ao crescimento da população. Portanto, o desafio será produzir bem mais alimentos por unidade de área, o que implica em mais avanços científicos nas Ciências Agronômicas.
Isto vem sendo conseguido até aqui. As práticas agrícolas avançaram bastante, sobretudo a partir da metade do século passado, quando foram criados centros avançados de pesquisa agropecuária em praticamente todas as partes do mundo. Os países menos desenvolvidos também experimentaram avanços significativos na criação de centros de excelência na produção agropecuária, como é o caso do México, das Filipinas, da Colômbia e do Brasil, no começo dos anos setenta, com a criação da EMBRAPA. As Universidades no mundo desenvolvido e subdesenvolvido também vêm dando contribuições excepcionais, formando Engenheiros Agrônomos, além de outros profissionais em Ciências Agrárias e também fazendo pesquisas. No Brasil podemos destacar centros de excelências como as Universidades de Viçosa, em Minas Gerais, a ESALQ, em Piracicaba, São Paulo, a antiga Escola Nacional de Agronomia (ENA), antigo Fundão que atualmente faz parte da UFRJ. Todas elas foram as pioneiras na formação desses profissionais e na geração de conhecimento e praticamente alavancaram o progresso nas Ciências Agrárias no Brasil.
Não obstante a sabedoria humana ter tido a capacidade de produzir até aqui alimentos em quantidade suficiente, observa-se que essa mesma inteligência tem sido usada para forjar a escassez de estoques objetivando a manipulação de preços e, por esta via, encarecer os alimentos no mundo. Neste processo desumano, aqueles que não têm renda minimamente adequada, em qualquer parte do Planeta, para adquirir a sua ração mínima, aos preços manipulados, são dolorosamente penalizados. Com efeito, as Nações Unidas estimam que em torno de um bilhão de pessoas, ou um sétimo da população da Terra, passam fome. Essas pessoas se distribuem no mundo inteiro, mas de forma mais densa na África, Ásia e America Latina.
Outro grande problema associado a uma população tão grande é a falta de acesso a serviços essenciais como água de qualidade e saneamento para contingentes populacionais significativos. Na região sub-sahariana na África, no Semi-Árido brasileiro, que ocupa metade da região Nordeste, parte do Leste do Maranhão, Norte de Minas e parte do Espírito Santo, observa-se a carência de água para segmentos expressivos das populações que sobrevivem nesses locais.
O Relatório de Desenvolvimento Humano das Nações Unidas de 2006 estima que, naquele ano, algo como 2,5 bilhões de terráqueos sobreviviam privados de água e do acesso a locais minimamente adequados para destinar os seus dejetos. Acrescente-se ainda o incremento da necessidade de coletar e dar destino adequado para um volume crescente de resíduos sólidos produzidos por tanta gente. A falta de saneamento, o não acesso à água de qualidade e a convivência com lixo, induz contingentes populacionais, sobretudo de crianças e idosos, a ficarem mais vulneráveis a diarréia, leptospirose e outras doenças associadas à convivência em lugares contaminados pela promiscuidade e pela sujeira.
Outro grande problema associado a uma população deste tamanho é a falta de moradias adequadas. As populações tendem a se urbanizarem porque as áreas rurais oferecem pouca ou nenhuma oportunidade para aqueles que gostaram de optar por ficar por lá. Sem oportunidades, emigrarão para as áreas urbanas de cidades de diferentes portes, dramatizando mais ainda o já caótico quadro que se observa nesses centros.
Observa-se que a população cresce a taxas mais aceleradas nas áreas mais pobres, onde prevalecem baixos níveis de escolaridade, elevadas taxas de analfabetos, falta de esclarecimentos, que dificultam, ou impedem os casais, em fase reprodutiva, buscarem formas de planejamento dos tamanhos das suas famílias.
Alguns países tentam controlar a explosão demográfica através de legislações punitivas. A China é o exemplo que salta aos olhos, onde os casais estão obrigados a terem apenas um filho. Contudo, nas áreas rurais daquele país, sobretudo nas mais remotas, os casais costumam ter bem mais do que um filho devido à desinformação e à pobreza. Para escapar de sanções oficiais, não registram os “filhos excedentes”. Ou seja, a sanha punitiva do Estado suscita um problema ainda maior que é o sub-registro que deixa a margem milhões de seres humanos. Sub-registros também são comum em áreas da África, da America Latina, do Norte e do Nordeste do Brasil, ainda que nessas localidades não haja punições para quem tem muitos filhos. A pobreza e a desinformação atuam de forma perversa para que seres humanos jamais existam oficialmente.
Forma-se assim um portfólio de problemas, cujas soluções não são fáceis. As alternativas para a sua mitigação têm que ser multifacetadas. O começo de tudo tem que ser a revolução na educação nos países pobres, como bem fez a Coréia do Sul. Bem educadas, as populações encontrarão condições de se ocuparem de formas mais produtivas e rentáveis. Além disso, as atividades fomentadoras de trabalho e renda chegam com mais pujança onde tem gente habilitada para exercê-las.
Assim, o ciclo precisa ser rompido e o fator de rompimento é o esclarecimento via educação que induzirá os casais a terem menos filhos, independentemente de sanções de qualquer governante. Alem disso, nas economias pobres o setor rural tem papel importante na geração de renda e na manutenção das populações ocupadas em atividades produtivas, tanto agrícolas como não agrícolas. Não se conhece um único país, hoje desenvolvido, que não tenha priorizado, nos seus primórdios, o setor rural. Nas economias hoje desenvolvidas, foram e são utilizados, inclusive fundamentos protecionistas, para o setor rural.
O desafio é enorme, mas temos que encará-lo de frente. De outra forma o nosso destino como planeta ficará seriamente comprometido num futuro não muito remoto. O que será ruim para os nossos descendentes.
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*Artigo publicado no JP do dia 6/11/2011