José Lemos*
No começo dos anos noventa eu já havia prestado concurso para Professor Adjunto na Universidade Federal do Ceará e já tinha bolsa de produtividade do CNPq. Por aquela ocasião esse Órgão desenvolvia convênio com a Coreia do Sul. Esse País já havia eliminado o analfabetismo e estava começando a deslanchar o processo de desenvolvimento que o transformaria no que conhecemos hoje.
O Governo Coreano queria que pessoas formadoras de opinião visitassem o seu País num “Scientific Tour”. Pagaram as despesas dos Pesquisadores convidados, e ainda proveram Jeton. Fomos 13 pesquisadores de países como Índia, Tailândia, Bangladesh, Papua Nova Guiné, Ilhas Mauritius e Sri Lanka. Do ocidente foi apenas um representante. E o CNPq me deu a honrosa missão. Durante 25 dias viajamos o País inteiro. Eu tive o privilégio de conhecer a pujança que se auspiciava naquele País.
Mas o que tem a ver toda essa já longa reflexão com o titulo do meu texto desta semana? Ainda que não pareça, tem tudo a ver. Quero falar da elevada autoestima do povo coreano, e da baixíssima autoestima de nós, os maranhenses.
Naquela viagem fomos até a parte da Coreia que é banhada pelo que conhecemos aqui no Brasil como Mar do Japão. Esse Mar banha terras das duas Coreias, Japão e Rússia. Trata-se de um braço imprensado do Oceano Pacífico.
Estávamos ali contemplando uma paisagem bela. Eu, querendo dar uma de sabido falador (perdi uma grande chance de ficar calado), falei que estávamos no “Mar do Japão”. O Coreano que era o nosso Guia quase me estrangulou de ódio. Foi ríspido comigo: “Não existe Mar do Japão. Existe Mar Asiático”. Tomei um susto.
Há uma querela que remanesce nos históricos conflitos entre Coreanos (das duas Coreias) e o Japão. Para os coreanos Mar do Japão é uma designação falsa dada por invasores militares japoneses. Pedi desculpas e me recolhi à minha ignorância.
O Estado do Pará, e os paraenses, escancararam os braços e me receberam quando cheguei em Belém para estudar, na minha primeira aventura fora do Maranhão. A população paraense é extremamente orgulhosa da sua terra. Uma das populações mais bairristas que eu conheci. E eu já conheci muitas. Os paraenses se orgulham de falar carregando nos “SS”. Falam galhinha, sem qualquer pudor, e qualquer que seja a sua escolaridade. Tem o seu Tacacá (uma das delicias que eu aprecio), Açai. Chamam o Cajá, de Taperebá. Graviola é Biribá… Orgulham-se do Carimbó, da sua cultura. Quando um paraense abre a boca, em qualquer parte do planeta, o identificaremos.
Eu estudei no Rio Grande do Sul. Lá tem os Centros de Tradições Gaúchas. Não sei se tem povo mais bairrista do que o Gaúcho. Falam com aquele sotaque carregado no “RR”. Um dos meus bons Professores no Mestrado na UFRGS, em Porto Alegre, se chama “Edgar”. Nós do lado de cá pronunciamos “Edigar”. Mas os gaúchos o chamam “EdégaRR”. Gaúchos se orgulham da sua fala, se vestem com aquelas roupas bonitas, tomam chimarrão, gostam de churrasco de costela de boi, tem a sua música que é bonita, contagiante, com grande prevalência da sanfona, que chamam de “Gaita”.
Há outros brasileiros bastante bairristas. Os Baianos também são assim. No Amazonas, se alguém chegar num local para comprar “Castanha do Pará”, além de não ser atendido, corre o risco de ter uma repreensão igual àquela que o coreano me deu. Para os amazonenses só existe “Castanha do Brasil”.
Nós maranhenses não somos assim. Somos desprovidos de bairrismo. O nosso grande bem imaterial, que é a nossa Maranhensidade, nós temos vergonha de exibir. Não gostamos do nosso sotaque. E nós temos muito do que nos orgulhar. Na nossa culinária temos arroz de cuxá, torta de camarão (com cobertura de ovo, não essa que fazem agora colocando cobertura com batata); bobó de vinagreira; arroz de toicinho; doce de espécie; beiju e bolo de tapioca; cuscuz de arroz (único lugar em que se faz cuscuz com arroz é no Maranhão). Delicia para tomar café. A nossa Juçara virou Açaí. Não tem perigo de um paraense tomar Juçara. Tomará Açaí. Mas nós invertemos, porque achamos ser mais chique falar Açaí. Juçara e Açaí são a mesma fruta. Então tomemos Juçara no Maranhão. e deixemos que os demais brasileiros tomem Açaí.
A nossa cultura é belíssima. Não há no Brasil festejos Juninos mais belos do que os do Maranhão, onde predominam cores, poesia, sons… Mas não divulgamos, ou não o fazemos com a força que deveríamos. Joao do Vale falava: “Todos cantam a sua terra, eu também vou cantar a minha…” Sejamos como ele que, por sua vez, apenas foi valorizado quando, perto de morrer Chico Buarque providenciou shows caça niqueis para ajudá-lo no tratamento de saúde. Depois que o Chico fez aquela caridade, foi que nós, os maranhenses, reconhecemos o talento que era João do Vale. Não pode ser assim.
A pobreza material pode até explicar, mas não justifica a nossa baixa autoestima. Temos que nos orgulhar de sermos maranhenses. Menos de oito (8) milhões de brasileiros tem esse privilégio. Vamos falar do nosso jeito. Comer e divulgar as nossas iguarias. Cantar as nossas músicas. Brincar intensamente Bumba-Boi. Apreciar Tambor de Crioula e a Festa do Divino, com todo o “Cortejo Real” de Alcântara… Esses são alguns dos nossos Patrimônios Imateriais. Orgulhemo-nos da nossa Maranhensidade!
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*Texto para 03/03/2018.