José Lemos
Nós, os seres humanos, somos presunçosos,arrogantes, vaidosos… E invejosos. Em minha opinião, talvez seja a inveja o pior dos sentimentos que cultivamos. Fica evidente o nosso desconforto quando observamos que alguém avança, sobretudo se esse avanço significar um ganho de posição que avaliamos que deveria ser nosso.
Temos dificuldades em refletir acerca da nossa estadia neste Planeta. Recusamo-nos em entender que somos inquilinos efêmeros por aqui. E que muitos de nós usufruiremos desse inquilinato por um período ainda mais raquítico.
Na fase mais tenra da nossa passagem por aqui, imaginamos que sempre seremos assim. Olhos brilhantes, agilidade motora, raciocínio rápido, facilidade para aprender tudo… O mundo que imaginamos à frente não tem fronteiras que não possamos ultrapassar. Aquelas pessoas que avançaram no tempo, porque não pereceram antes (é bom que fique claro), são vistas como ultrapassadas, não mais terão o que fazer por aqui. São os “velhos”. Quando queremos ser mais “gentis”, as tratamos por “tios” ou “tias”. Formas “corteses” de descarte. Estão na “melhor idade”, como inventaram recentemente com a âncora idiotizada do “politicamente correto”.
Adauto Santos, grande poeta nascido no Paraná em 1940, morto no apogeu dos 59 anos, escreveu uma música antológica (para o meu gosto, claro) que foi lançada em 1978, cujo título é “Triste Berrante”. Essa música foi gravada por inúmeros cantores, desses que podem ser tratados assim. Na letra, Adauto escreveu: “Mas sempre foi assim, e sempre será / O novo vem, e o velho tem que passar”… Terrível!
E seguimos nossa trajetória por aqui imaginando-nos infindos. Acidentes graves que ceifam vidas, ou deixam pessoas mutiladas, acreditamos que apenas acontecerão nas imagens que vemos pela TV. No máximo admitiremos que podem chegar à nossa vizinhança. Acreditamos que doenças, como o câncer, jamais baterão na nossa porta.
A vaidade, a pose, são nossas companheiras terrenas. Billy Blanc, poeta e compositor paraense, escreveu nos meados do século passado uma música que foi gravada pela primeira vez por Elza Soares. Chama-se “Bronca do Destino” e manda a seguinte mensagem: “…Pra que tanta pouse doutor? Pra que esse orgulho? A bruxa que é cega, esbarra na gente e a vida estanca/ O infarto te pega doutor, e acaba essa banca…”
Fazemos malabarismos para ter riqueza e poder. Queremos possuir mais de um imóvel, quando moramos apenas em um. E nós não precisamos de tanta riqueza material para viver dignamente. As Nações Unidas que calculam o índice de desenvolvimento humano (IDH), o “termômetro” que foi criado para aferir padrões de qualidade de vida, usa a renda como um dos seus indicadores. Que é apenas um dos três que compõem esse índice (os outros dois são longevidade e educação).
No Relatório de Desenvolvimento Humano de 1994, daquela entidade, está escrito que as pessoas não precisam de muita renda para ser felizes. “Precisam também ter vida longa e saudável, e beberem na fonte do saber” (tradução livre, feita por mim). Tanto é assim que a renda que entra na formatação do IDH não é aquela auferida do tamanho que chega para nós. As Nações Unidas colocam dois “penduricalhos” nessa renda antes de computá-la no índice: O primeiro é o poder de compra da renda, que leva em consideração o custo de vida no local em que as pessoas vivem. O outro “penduricalho” é o que eu acho mais relevante para a mensagem que eu quero deixar neste texto. As Nações Unidas estabelecem que a partir de um patamar, chamado de renda de referencia (que nem é tão elevado), os acréscimos de renda não se traduzirão em acréscimos proporcionais em bem estar. O argumento é que, a partir de um nível de renda, o excedente será usado para adquirir outros itens que não, ncecesariamente, acrescem bem estar de forma significativa, porque a pessoa já os tem suficientes. A renda incremental será usada para comprar outro imóvel, trocar de carro, comprar obra de arte… Itens que praticamente acrescerão zero ao atual nível e bem estar.
Na nossa passagem por aqui nos esforçamos em demasia para ter, e valorizamos muito menos o ser humano que somos. Fazemos esforços incríveis para conseguir patamares mais privilegiados de renda, para poder ter um imóvel de luxo onde moraremos (ou não). Desdobrar-nos-emos para comprar um carro luxuoso que é capaz de desenvolver velocidades que jamais poderemos atingir, porque quase sempre estaremos “engarrafados” em trânsitos das cidades em que vivemos, e se estivermos em Rodovias há limites de velocidades a serem respeitados. Temos assim uma enorme “capacidade ociosa” no nosso objeto de estimação. Uma grande contradição.
Um dia chega o fim do nosso contrato como inquilinos deste Planeta. Nesse dia não mais voltaremos para o imóvel luxuoso, para que ele se “despeça” do nosso corpo inerte. O imóvel luxuoso e os outros bens materiais que tanto nos esmeramos em conseguir, no apogeu das nossas vidas produtivas, se transformarão objetos de disputas entre os nossos herdeiros. Em boa parte das vezes essas disputas fomentam desavenças, dissensões, intrigas e, não raro, conflitos com desfechos trágicos.
Seguiremos para a nossa última moradia num carro que não é o luxuoso que tanto nos esmeramos para possuir. Sequer seremos o seu condutor, e também não será uma das pessoas que, aos prantos, agora dizem que éramos o que havia de melhor neste planeta e nas suas vidas. Mas nunca tiveram a coragem de falar isso enquanto nós podíamos ouvir e agradecer.
A vida seguirá… Para os outros… As lembranças que deixaremos, irão se dissipando no tempo, até praticamente desaparecerão talvez já na geração dos nossos netos. Terá valido a pena ter passado por aqui objetivando apenas riqueza e poder?
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*Texto para o dia 08/09/2018.