José Lemos
Que o Nordeste Brasileiro não é homogêneo, todos sabemos. Seria impossível isso acontecer numa área de 1.558.000 km² que se estende por nove estados e que tem população aproximada de 55 milhões de viventes. Em geral quando os brasileiros do Sudeste, Sul, Centro-Oeste e até do Norte, pensam no Nordeste o imaginam como um imenso território com prevalência de escassez hídrica.
O Professor Manoel Correia de Andrade (1922-2007) Historiador, Advogado e Geógrafo, num dos seus livros mais seminais, para o meu gosto, escrito no começo dos anos setenta “A Terra e o Homem no Nordeste” descreveu quatro (4) Nordestes.
Para fazer essa caracterização Andrade se baseou, principalmente em características de paisagens, cobertura vegetal, tipos de solos, pluviometria, disponibilidade de rios perenes, biótipos prevalecentes em cada uma delas As quatro sub-regiões seriam: Meio Norte, Zona da Mata, Agreste e Sertão.
No Meio Norte estariam, por inteiro, o Maranhão e o Piauí. Transição entre o Nordeste mais seco e a Amazônia úmida. Essa é a parte do Nordeste que tem a melhor pluviometria, maior disponibilidade de rios perenes, condições mais adequadas para as práticas agrícolas. A paisagem predominante é de palmeiras de babaçu que surgem como vegetação secundária depois de retirada da cobertura original. Babaçu que tem grande relevância social nos dois estados. A despeito da riqueza de recursos hídricos, paradoxalmente, ai estão alguns dos maiores grotões de pobreza do Nordeste e do Brasil, o que sinaliza que, apenas dotação de recursos naturais não é suficiente para deslanchar desenvolvimento sustentado para as populações.
A Zona da Mata é a sub-região mais populosa e a mais rica. Lá estão as maiores cidades do Nordeste, incluindo as capitais dos estados, com exceção daquelas do Maranhão e do Piauí. Área remanescente da Mata Atlântica. Os grandes plantios de cana de açúcar, assim como as usinas canavieiras estão lá. Assim como está a maior área com cultivo do Cacau brasileiro. Sub-região também rica de poços de petróleo.
Imprensado entre a Zona da Mata e o Sertão, está o Agreste. Que tem características semelhantes das duas sub-regiões. Espraia-se pelos estados do Nordeste que não o Maranhão, Piauí e Ceará. No Agreste talvez a atividade agrícola de maior destaque seja a produção de Sisal na Bahia e na Paraíba. Para quem não conhece, o sisal é uma planta de folhas em forma de lanças, de onde se extrai uma fibra muito forte. Essa fibra foi, e ainda é, muito usada para a confecção de sacarias. O processo de extração das fibras de sisal ainda é muito primitivo e deixa como rastro uma multidão de homens (na maioria, mas há mulheres também) mutilados, que perdem uma das mãos no processo de enfiar e puxar as folhas do sisal numa máquina primitiva que desafia a agilidade, a rapidez, o bom senso e a dignidade de milhares de brasileiro.
O Sertão é uma enorme sub-região que se destaca pela escassez hídrica, praticamente ausência de mananciais perenes de águas de superfície. Por ai transita o velho e sofrido Rio São Francisco. As águas de subsolo são, no geral, salobras porque ficam em elevadas profundidades, recônditas no meio de rochas do cristalino que afloram na superfície dos solos dessa sub-região de uma forma mais intensa do que nas outras. Por isso acumulam sais, sobretudo os cloretos. Com o Meio Norte, o Sertão se constitui na área de maior carência, numa imensa região carente chamada Nordeste.
O Nordeste não é homogêneo nem espacial (como se viu na definição de Andrade) nem temporalmente. Na imensa área semiárida que se espraia por todos os nove estados (incluindo o Leste do Maranhão), a vegetação predominante é a caatinga (vegetação esbranquiçada, segundo o dicionário Tupi), que apenas acontece no Nordeste Brasileiro. Nos anos de boa pluviometria se tem outro Nordeste, cheio de verde, com fartura de “ligumes” como chamam os agricultores da região do alto da sua sabedoria. Ao menos entre janeiro e junho, época das chuvas, se tem um Nordeste diferente daquele que começa em julho e vai até dezembro, época de escassez de chuvas.
Em todo o Nordeste, inclusive no Maranhão, observa-se a ocorrência sistemática de secas que provê uma “notoriedade” atravessada, e que não gostamos, para nossa região para quem vive fora dela, e sabe das tragédias pelas mídias de massa.
Uma região cuja população é vulnerável por causa dos fenômenos naturais. Mas tem outras vulnerabilidades que não estão associadas a esses fenômenos que, na minha modesta avaliação, provocam bem mais estragos. São as vulnerabilidades induzidas. Conceito que eu criei, elaborei e quantifiquei na Tese que preparei para fazer concurso de Professor Titular nesta Universidade. Como vulnerabilidades induzidas eu classifiquei a baixa escolaridade que prevalece na maior parte da população maior de 15 anos. Por causa disso, essa gente tem baixa capacidade de produção (produtividade como se fala em economia) e, por isso, não conseguem maiores rendas pessoais, que é vulnerabilidade decorrente da anterior. Também como vulnerabilidades induzidas eu coloquei o elevado percentual da população sem acesso à água encanada, sem destino adequado aos dejetos humanos e ao não acesso à coleta sistemática de resíduos sólidos.
A sinergia entre vulnerabilidades naturais e as induzidas faz da nossa região a mais carente do Brasil, e uma das mais carentes do Planeta. Isso tem implicações importantes. Nos “Nordestes” está o maior contingente de brasileiros dependente de assistencialismo que é muito bom para quem fez e faz carreira política por aqui e não tem o menor interesse em reverter o quadro das vulnerabilidades induzidas. Melhor para eles, quase sem qualquer exceção, colocar a culpa das nossas dificuldades nas vulnerabilidades naturais.
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Texto para o dia 27/04/2019,