José Lemos
Manifestações espontâneas, ordeiras, e consciente de populações são sempre bem vindas. Elas são expressões argutas do exercício da cidadania, da vontade de construir uma sociedade mais justa, de mostrar que essas multidões discordam da existência de grupos privilegiados encastelados em poderes, quaisquer que sejam eles. Assim como demonstram, ou deveriam demonstrar, que são partícipes de uma sociedade em que ser honesto não significa qualidade, mas dever e comportamento usual. Desvios dessa trilha devem ser algumas das condutas a serem mais veementemente combatidas nesses movimentos de massas.
As demandas por direitos adquiridos e por outros que a sociedade, no conjunto, avalia como sendo importantes de conquistar, são legítimas. Isso é que nos faz avançar como sociedade constituída dos seres “mais civilizados e mais inteligentes” do planeta como, de forma arrogante, nos auto avaliamos. Não sei se os demais seres, vivos ou não que coabitam este Planeta, concordam com essa nossa autodefinição. Caso eu fosse um deles, discordaria na totalidade e veementemente. Não estamos com essa bola toda.
Mas a adesão aos movimentos de massa deve ser voluntária. Jamais por imposição de forma direta ou indireta. Quando as pessoas são obrigadas a se “engajarem” ou ficarem no meio de multidões contra a vontade, ainda que possam concordar com itens das pautas de reivindicação, essas manifestações perdem o sentido.
A partir de 2013 começaram grandes movimentos de massa em muitas cidades brasileiras. Elas foram num crescendo e a pauta, que era praticamente única, ganhou a adesão de brasileiros que tentam levar a vida com honestidade, e viam que o País estava trilhando por caminhos que não eram bem esses. Queríamos combater a corrupção e os desmandos na gestão dos recursos que transferimos todos os dias, na forma de impostos escorchantes, para os que nos governam, que nos legislam, ou que nos judiciam.
Essas manifestações eram espontâneas e aconteciam aos domingos. Esses dias que são dedicados ao descanso semanal, para o convívio com as famílias, as pessoas sacrificavam parte deles e se juntaram a tantas outras para demandarem um País melhor. Ali não se provocavam tumultos no trânsito das cidades, na hora em que as pessoas que não concordavam com aquelas manifestações (ou não queriam aderir) precisavam se deslocar para os seus trabalhos, lazeres, ou para outras atividades.
Todas as despesas envolvidas na participação de cada um de nós eram bancadas por nós mesmos. Nós que pagávamos o nosso transporte, o nosso lanche, a nossa água… Não estávamos faltando ao nosso trabalho. Não provocávamos qualquer dano às atividades normais de uma cidade, de um estado, de um País. Ficávamos por duas, três horas reunidos em multidões gritando e cantando palavras de ordem. Ali demandávamos nossos direitos (de ver um país sem corrupção) e sabíamos dos nossos deveres de não faltar ao trabalho, de não provocar qualquer tipo de constrangimento em quem não queria estar conosco.
Sabíamos que as pessoas têm hora para chegar aos seus locais de trabalho. Sabíamos que as pessoas pobres, em nome de quem sempre se arvoram os que querem fazer demagogia falando que os defendem, precisam de hospitais públicos funcionando, escolas para os seus filhos. Algumas dessas pessoas pobres marcaram consultas, ou exames (para diagnosticar câncer, por exemplo) com bastante antecedência. Elas não poderiam ser prejudicadas. Portanto, o domingo ou um feriado nacional, são os dias que melhores se adéquam àquelas manifestações das quais eu participei de todas.
Agora analisemos o que aconteceu hoje, dia 14 de junho, sexta-feira e naquela quarta-feira de abril deste ano. As pessoas que estavam naqueles movimentos, a maioria era constituída de funcionários públicos, estudantes de universidades e as tais “lideranças” sindicais ou membros dessas entidades. Havia políticos, claro. Os funcionários que ali estavam receberam normalmente os seus salários do dia. Portanto, foram pagos por nós para fazerem aquelas manifestações. Todos ancorados numa estabilidade que os fazem se autodefinirem como “defensores de direitos”. Direitos que os trabalhadores da iniciativa privada não tem. Quantos deles estavam ali?
Um dos direitos que estavam em questão era o das pessoas que queriam apanhar os ônibus, ir para o trabalho, chegar no horário certo, e não puderam fazer porque aquela gente que “luta por direitos” impedia. Pessoas que precisam do já precário atendimento do SUS, tinham marcado previamente exames ou consultas para doenças graves como diabetes, cânceres de vários tipos, depois de longas esperas que todos sabemos, tiveram o azar de que a data programada era hoje, e não puderam fazer porque os servidores que deveriam executar o procedimento estavam paralisados. E, sublime contradição, eles dizem que estavam em paralisação por causa desses pobres.
Estavam, segundo diziam, lutando contra a reforma da previdência. E todos eles têm aposentadorias garantidas. E quanto mais jovens, avaliam ser melhor para eles. Quatorze milhões de brasileiros, sequer tem trabalho hoje para sobreviver. Caso prevaleça o que demandavam na paralisação de hoje, essa gente nunca terá qualquer chance de se aposentar. Ou mesmo de envelhecer com um mínimo de dignidade. Muitos morrerão bem antes disso. Decorrência, entre outras causas, da forma injusta como são pagas aposentadorias e pensões neste País. Mas isso não faz parte do cardápio deles. Têm de ser contra tudo que ai está, se o que aí está não é da turma deles. Pobre Brasil!
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Texto publicado em 15/06/2019.