José Lemos*
Para escrever este texto eu busquei a releitura de alguns dos poemas de Vinicius de Moraes, a quem eu admirei em vida e continuo reverenciando depois da morte. Acho que o “Poetinha” foi um dos brasileiros que mais entenderam ou, ao menos, procuraram entender esses entes fundamentais nas nossas vidas. As nossas mulheres.
Evidente que eu não irei escrever poesia como o fazia de forma magistral o “Poetinha”. Não teria talento para tanto Vou tentar ficar no meu pedaço, apenas tentando sorver inspirações em poemas como “Sonetos de Devoção”, “Soneto de Contrição”, “Soneto da Felicidade”, “Soneto de Corifeu” que fez parte da peça “Orfeu da Conceição”: “… Deve andar perto uma mulher que é feita/ De música, luar e sentimento/ E que a vida não quer de tão perfeita/ Uma mulher que é como a própria lua: Tão linda que só espalha sofrimento/ Tão cheia de pudor que vive nua”.
Saindo da beleza da poesia do “Poetinha” para a crueza da realidade que se manifesta entre nós, o que se observa é que as mulheres ainda não tem o reconhecimento que a sua pluriatividade representa nas vidas de todos nós. Mãe, filha, esposa, namorada, amante, amiga… babá, em muitos casos. A mulher consegue ser tudo isso, partilhar conosco os nossos momentos de dificuldades, e ainda nos dão amor, proporcionam prazer e nós, homens, não conseguimos reconhecer-lhes o real valor.
E isto não é um “privilégio” dos brasileiros. Ha sociedades em que acontecem situações bem mais difíceis em que as mulheres são tratadas como seres absolutamente inferiores. Em muitos desses locais não passam de instrumentos para cama e mesa.
No Brasil, as mulheres agricultoras representam casos especiais de pluriatividade sub, ou não remunerada. No Nordeste e no Norte as mulheres agricultoras tem atividades nas áreas rurais, trabalhando pesado nas roças, carregando água e lenha para dentro das casas, no preparo de comidas (quando tem), e cuidando da prole, em geral grande. E, cansada, exausta, tem que fazer amor mais tarde com o parceiro.
No Maranhão há um grupo especial de mulheres que tem jornadas de trabalho extenuante. São as quebradeiras de coco babaçu. Começam a trabalhar nessa atividade nos seus dez anos de idade. O fazem numa posição horrorosa. Sentadas no chão, sem qualquer proteção nas costas. À frente uma montanha de cocos que foram coletados antes que precisam ser quebrados para a retirada da amêndoa e virarem renda.
Ao final de um dia exaustivo de trabalho, uma quebradeira de coco, com boa “produtividade”, terá conseguido separar algo como dez quilogramas (10 Kg) de amêndoas, que hoje é vendida ao preço de R$1,50 por quilograma.
Como as atividades agrícolas são praticadas pelas famílias em áreas irrisórias, em geral sem deter a posse da terra, sem assistência técnica por parte do estado, nas casas onde não tem um velhinho aposentado, uma viúva pensionista, ou bolsa família, esta é a única fonte de renda monetária. Um cenário que se perpetua indefinidamente sob os olhos, ouvidos dos que tomam decisões politicas no estado do Maranhão.
No Brasil, em geral, as mulheres sempre tem melhores escolaridades do que os homens. Nem por isso recebem remuneração equivalente. Nas minhas turmas de graduação e pós-graduação aqui e fora da UFC, ao final de cada semestre eu contabilizo os desempenhos médios, traduzidos em notas finais, dos meus estudantes. E observo que as meninas sempre tem melhor desempenho. E já faz tempo que isso acontece.
Uma estudante que eu oriento atualmente a Dissertação de Mestrado fez, atendendo à minha sugestão, o levantamento da escolaridade de homens e mulheres no Brasil entre 2004 e 2015. Ela levantou a população de ambos os sexos que tinha escolaridade acima do nível elementar (9 anos). Os resultados da pesquisa dela comprovam o que eu, e muitos que estudam o fenômeno, já desconfiávamos. No Norte, os resultados foram 41,8% para as mulheres e 34,7% para os homens. No Nordeste o “placar” pró-mulheres foi de 34,5% a 27,6%. No Sudeste a diferença foi de 45,1% para as mulheres e 42,1% para os homens. No Sul o desempenho foi de 42,4% para as mulheres contra 39,7% dos homens. Finalmente no Centroeste o “placar” foi de 43,3% para as mulheres contra 40,5% para os homens. Esses resultados se replicam (com outros percentuais, evidentemente) em todos os estados brasileiros e no Distrito Federal.
Portanto, o dia 8 de março deve servir também para refletir acerca da forma como as mulheres são tratadas por nós, os homens. Sobretudo pelos “machões”. E eu não falei nas violências verbais e físicas que, infelizmente, fazem parte do cotidiano de muitas delas no Brasil. Elas que acreditavam ter encontrado o amor da sua vida e, de fato, colocaram ao seu lado um brutamente bípede que é o seu algoz.
E o Governo Federal acena com uma proposta de aposentadoria aos 65 anos para homens e mulheres, demonstrando um total desconhecimento da realidade da esmagadora maioria das mulheres brasileiras. Eles poderiam, antes de estabelecer uma idade teto, viajar para os rincões do Norte e Nordeste. Ou, se não tiverem coragem de fazer isso, até porque não encontrarão o conforto a que estão acostumados às nossas custas, ao menos olharem as estatísticas brasileiras que estão disponíveis. Mas isso é pedir demais para essa raça que só pensa na própria conta bancária e se dar bem.
Não sei se depois de tudo o que escrevi no texto ainda cabe. Mas falo agora como dependente que sou de mulheres em toda a minha vida. Feliz dia das mulheres!
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*Professor Titular e Coordenador do Laboratório do Semiárido (LabSar) na Universidade Federal do Ceará.