José Lemos
Na semana passada fomos bombardeados com propagandas em dobradinha da atual e do ex-presidente da República. No comercial oficial era mostrado um Brasil repleto de progresso, que reduziu desigualdades regionais, com pessoas agora morando em casas organizadas. Um País que havia retirado milhões de pessoas da pobreza.
Mas logo em seguida, o tele-jornal mostrava que casas do programa “Minha casa minha vida” estavam caindo nas cabeças dos infelizes donos, porque construídas com defeitos estruturais. Casas que são financiadas com dinheiro público. Nossos impostos.
Entre 1969 e 1973 o PIB brasileiro cresceu às taxas chinesas de hoje. Em 1970 o futebol do Brasil sagrou-se tricampeão do mundo. Esses dois fatos levaram os militares, liderados pelo General Médici, Presidente naquele período de exceção, a bombardearem os brasileiros com propagandas, lembrando que “este é um país que vai pra frente”. Eram criticados por causa de obras faraônicas como os estádios, por exemplo. Contudo, não se imagina o Brasil de hoje sem algumas dessas obras que receberam aquele adjetivo como a Hidrelétrica de Itaipu e a Ponte Rio – Niterói. Naquele período havia maniqueísmo político. Quem apoiava os governos era “direita”, “ruins”. Oposição aos militares dava a credencial de ser “esquerda”, “bonzinhos”. Sarney, Paulo Maluf, são sobreviventes do grupo que fez carreira apoiando os militares. “Direitistas” na época.
O Partido dos Trabalhadores surgiu em 1980, com uma retórica ética e moralizante que se opunha a “tudo isso que aí está”. O que estava na época eram os governos militares que já faziam água, devido à crise mundial provocada, entre outras causas, pela elevação do preço do petróleo. O Presidente de então era Ernesto Geisel que, em abril de 1977, para dificultar o avanço da oposição, decretou o “Pacote de abril”. Com ele criou o “senador biônico”, que assumia sem ter votos. Veio o primeiro governo civil em 1985, autodesignado pelos novos donos do poder de “Nova República”, mas adotava as mesmas práticas arcaicas da “Velha República”. O titular daquele governo recebia criticas, merecidas, de todos os lados. Mas o então líder do PT (que se eternizaria no cargo) adjetivava-lhe de forma bastante degradante.
O líder do “partido ético”, que se apresentava como operário, se elegeu Deputado Federal por São Paulo em 1986, com votação expressiva, e muita gente acreditou que iria exercer um mandato exemplar, dado o seu discurso. Qual nada, ali ele começou a mostrar para os brasileiros a sua pouca, ou nenhuma disposição para o trabalho. A única ação que repercutiu do seu mandato foi “denunciar a existência de trezentos picaretas” no Congresso. Recusou, com a aquiescência do seu partido, assinar a Constituição de 1988, porque, a identificou como “reacionária”.
Em 1992, Collor foi apeado da Presidência que conquistou numa campanha de baixo nível. Assumiu o seu vice, Itamar Franco. Homem digno, de quem nunca se ouviu falar comentários desabonadores do caráter. Itamar escolheu Luiza Erundina, então do PT, para ser uma das suas Ministras. Aquele foi um ato “degradante” para a “pureza” do partido. Fizeram-na sair. Bem antes, a Deputada Bete Mendes havia sido “convidada” a deixar o partido, porque cometeu a “indignidade” de votar em Tancredo Neves no Colégio Eleitoral que o elegeu, indiretamente, para presidir o Brasil a partir de 1985.
Em 2003, os “paladinos da moralidade política” finalmente chegaram ao comando do País. Os brasileiros queriam experimentar aquela gente que tinha lâmina afiada na oposição. No poder, sem qualquer pudor, assumiram a paternidade do plano real que haviam combatido quando eles eram oposição. Sem nenhum constrangimento disseram que criaram os programas de transferência de renda, também do governo anterior, que eles chamaram de eleitoreiro. Recrudesceram o maniqueísmo odiento da época dos militares, agora com outra conotação. Quem apóia o governo “é esquerda”, quem o critica é “direita”. Assim, Sarney, Romero Jucá, Michel Temmer, Collor de Melo, Maluf, são “esquerda”. O poeta Ferreira Goulart, Gabeira, o Senador Jarbas Vasconcelos, Fernando Henrique Cardoso, o Senador Pedro Simon, são “direita”.
Os “milagres do novo governo decantados na propaganda enganosa decorrem da “redução da pobreza e das desigualdades regionais”. Vejamos o que aconteceu no Brasil entre 2000 e 2010. Em 2000 o PIB per capita equivalia a 3,5 salários mínimos. Em 2010 o valor regrediu para 3,2 salários mínimos. Em 2000 a população que sobrevivia em domicílios, cuja renda varia de zero a dois salários mínimos, era de 26.7%. Em 2010 o percentual havia ascendido para 36,8%. Em 2000 o Nordeste participava com 13,1% do PIB. Em 2010 participou com apenas 13,4%. A população excluída de educação, renda, água, saneamento e coleta de lixo, que em 2000 somava 38,56 milhões, passou para 43,11 milhões em 2010. Alguns dos símbolos ufanistas do atual governo são as faraônicas “arenas” que se transformarão em “elefantes brancos” depois da Copa de 2014. ARENA foi o partido que deu sustentação aos militares. O atual governo também acaba de editar o seu “Pacote de abril”, que não cria senadores biônicos, porque eles já existem domados, mas impede a formação de partidos que possam lhe fazer oposição. O filme rançoso se repete, 36 anos depois, com atores que criticaram o original. Terrível!
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*Artigo publicado em 4/05/2013