José Lemos*
Em oito (8) de maio de 1994, dia das mães, eu viajei para os Estados Unidos em busca de mais qualificação. Ao chegar por lá me deparei com uma novidade que me deixou deslumbrado. A internet estava começando. Havia uma rede de brasileiros que moravam nos EUA e na Europa, chamada de Brasnet. Aquele foi um ano de eleições no Brasil em que Lula e FHC disputavam a presidência. O Plano Real havia sido lançado no começo do ano, e era a grande vedete dos debates calorosos na rede. Aquela forma de comunicação ainda engatinhava no Brasil. Pode-se dizer que a revolução provocada pela internet acaba de completar vinte (20) anos. A partir daquela data a forma de comunicação por via escrita mudou muito. Para o bem e para o mal.
Antes de tudo isso acontecer, as correspondências eram feitas pela velha e sempre muito esperada carta. Havia também os telegramas. O telex já havia sido um grande avanço nas vias telegráficas. Postava-se um telex pela manhã e à tarde o destinatário recebia em casa a mensagem “telegrafada”. Como se pagava pelo número de palavras, tínhamos que ser sucintos, diretos, incisivos na mensagem. Em geral aquela forma de comunicação era deixada para ocasiões especiais, ou situações urgentes.
Contudo, bom mesmo era enviar e receber cartas. Quanto mais longas e volumosas, melhor. Significava apreço, afeição. Não se gostava de cartas curtas. Até reclamava-se do remetente quando aquilo acontecia em relações afetivas. Eram textos com três, quatro, cinco laudas escritas à mão. Havia “blocos de cartas”, uma espécie de caderno, que comprávamos nas livrarias ou papelarias. Aqueles blocos eram produzidos com papel mais fino, uma cumplicidade explicita para escrevermos mais, pois eram mais leves do que os papéis convencionais. A conta da postagem ficava menor.
Quando fui para Belém, na minha primeira viagem para fora do meu Maranhão, para estudar Agronomia, o fiz no dia do meu aniversário, 25 de fevereiro. Ao chegar naquela bela cidade fiquei encantado. Saí com o João de Deus, meu colega de Liceu, e que também havia sido aprovado naquele vestibular, para dar um giro. Não sem antes tomarmos informações dos veteranos acerca dos lugares bonitos da cidade e de quais ônibus tomar para ir e vir. Fomos direto para a Praça da República, um dos logradouros mais belos de Belém, e que está entre os mais bonitos que já vi, nos muitos lugares por onde andei. Fomos ao Mercado Ver-o-Peso, e depois conhecer o belo prédio da Escola de Agronomia. Cinéfilo, fui assistir filmes no Cinema Olympia e no Cine Palácio, então os melhores da cidade e que na nossa São Luis de então não tinha nada parecido. Tudo isso precisava ser relatado, e com detalhes, para a mamãe. Comecei-a assim. “Minha querida Mãe. Escrevo estas mal traçadas linhas para falar das belezas que encontrei nesta cidade…”. Fazia parte do ritual das cartas afetivas referir-se quase sempre às “mal traçadas linhas” em que seria redigida. Uma forma explicita de reconhecimento de humildade de que todos eram possuídos ao escreverem cartas para pessoas queridas.
Postávamos as cartas e elas eram recebidas pelo destinatário depois de dois a três dias. A pessoa querida lia, relia, “ruminava” as emoções relatadas e mandava de volta a “resposta”. Sim, toda carta precisava ter “resposta”. Caso ela fizesse logo ao receber, o que quase sempre não acontecia, justamente para ter tempo de refletir sobre o que leu, teríamos pelo menos mais quatro a cinco dias para ter de volta a “resposta”. As distâncias e as saudades eram compensadas com as cartas recebidas. As cartas para as namoradas eram longos textos manuscritos de oito a dez folhas. Por baixo. As escritas captavam as emoções de quem as redigia. Cartas para a garota amada tinham traços diferenciados daqueles que escrevíamos para os pais, irmãos, amigos. Nada era abreviado. Descrevíamos nas cartas as nossas risadas ou choros, justificando o que os causara. Às vezes pingavam gotas de lágrimas sobre o texto deixando-o “borrado”. Mandávamos assim mesmo, para o destinatário sentir ao menos parte do que sentimos ao escrever-lhe. Quando tínhamos fotos para mandar, as “revelávamos” antes.
Agora se faz tudo isso de forma instantânea, via e-mail ou whatsapp. Não imprimimos mais fotos para enviar. “Também” é abreviada “tb”. “Você” virou “Vc” e os beijos vão pela metade (“bjs”). Risadas viraram “kkkkk” ou “rsrsrs…”. Não precisamos de três dias para as pessoas receberem as nossas mensagens, que agora são mais curtas, e, por isso mesmo, mais frias (ao menos para o meu gosto). Antes que alguém menos avisado acredite que eu não gosto de internet ou whatsapp, devo deixar claro que sou usuário até assiduo das novas tecnologias, sim. Mas as cartas eram mais charmosas, mais emocionantes. Às vezes eu escrevo mensagens por e-mail ou por whatsapp como se estivesse escrevendo carta. Mas não é a mesma coisa. O mundo mudou muito nestes vinte anos. Ficamos mais distantes, estando mais pertos pelas vias modernas de comunicação. Um tremendo paradoxo. Não falamos trocando olhares, mas tendo sempre uma tela intermediando. Nosso diálogo é monolítico, solitário. Ao tempo que podemos “conhecer” pessoas que nunca vimos, desconhecemos aquelas que estão do nosso lado, porque nossos olhos, dedos e atenções estão sempre na geringonça, cada vez mais sofisticada que queremos ter. Não sei se isso é bom. Mas é a realidade.
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*Texto publicado em O Imparcial do dia 26-04-2014
1 Comentário
Meu querido Amigo, é muito difícil eu comentar porque as emoções ou melhor, as lágrimas não deixam, caem sobre os teclados e não nas folhas de papel de carta. Então meu caro minhas lágrimas são, com certeza meus comentários sobre tudo que você escreve sobre nossa juventude. Em 75 saí de SL, veja aí a sigla! e muitas cartas fiz para minha velhinha. Ah, que saudade Amigo ! Vou dá uma parada pois hoje Dia de Nossa Senhora Aparecida já lagrimei muito, Ela é a padroeira do meu escritório de Design. Parabéns pelo Dia do Agrônomo !