José Lemos*
Entre 18 e 28 de agosto, acontece a 61ª “Festa do peão de Boiadeiro de Barretos”, uma bela e pujante cidade que fica situada no rico estado de São Paulo. Se a “festa” já está na sexagésima primeira edição é porque se trata de um evento de sucesso de público onde muita gente ganha muito dinheiro.
Nesses dez dias são esperadas milhares de pessoas que se divertirão vendo animais acuados, touros, mantidos em elevado nível de estresse para saltitarem sob esta condição e com os testículos amarrados violentamente para aumentar-lhes as dores e assim proverem mais pinotes com um “peão” montado em cima, tentando se equilibrar, para o delírio dos que lá estão. Praticamente toda a “galera” estará turbinada por “delicias” etílicas (e outras) que a torna ainda mais “racional” na apreciação de um “espetáculo” dantesco. Tudo “gente boa”. Ali vão inclusive alguns dos maiores formadores do PIB do Brasil, com as suas companheiras. Todos vestidos a caráter.
Nesses dias aquela multidão se deliciará com essa manifestação extrema de brutalidade, de maltrato e de violência contra os animais. O que eles assistem ali pouco fica devendo aos “espetáculos” medievais das touradas na Espanha. Em ambos os eventos os animais são selecionados para serem molestados, violentados no seu limite.
As vaquejadas, tão celebradas aqui no Nordeste, também fazem parte desse conjunto de atrocidades contra os animais. Dois sujeitos montados em cavalos, também estressados, correm cercando um touro que é solto enlouquecido e sem rumo numa arena, sem ter por onde escapar, e ainda tendo que ouvir os gritos de uma plateia extasiada, embevecida, com os olhos refletindo os brilhos da maldade extrema. “Galera” de boa grana, com garbosa indumentária, que também tem o sangue irrigado por doses etílicas generosas e, quiçá, de outras substancias estimulantes. Vibram quando um dos cavaleiros consegue deixar o animal, que corre alucinado querendo se livrar daquilo, sem condições de evitar que o outro cavaleiro alcance-lhe o rabo, puxe-o com violência, jogando-o ao chão da arena. Este será o ápice do delírio da multidão que pagou caro para assistir àquelas demonstrações de como somos brutos, atrozes.
O rabo dos animais é uma extensão da coluna vertebral. Nós humanos temos aquela parte atrofiada. Qualquer violência sobre essa porção do corpo provocará dores terríveis e estragos irreversíveis no organismo do animal. Mas isso não importa para aquela multidão de “racionais” que se diverte ao som do ronco doloroso do animal nocauteado daquela forma. Uma cruel demonstração do que somos capazes.
Há outras formas de manifestações “esportivas” que consistem em violência contra os animais. Cita-se a rinha dos galos, em que as pessoas se divertem colocando-os num pequeno espaço para brigarem até que um animal mate o outro, para deleite do dono do galo assassino e para a frustração do proprietário do galo que foi mais trucidado até morrer sob os olhos brilhantes e os aplausos de outro tipo de “galera”, tão cruel e violenta como a que assiste vaquejadas, touradas e “festa de peão de boiadeiro”. Estranhas formas de diversão e de alguém fazer fortuna.
Há pessoas que prendem passarinhos em gaiolas para os verem cantar de tristeza. E acham o máximo exibirem os seus “troféus” em momentos de exposições onde encontram pessoas que partilham das mesmas volúpias bestiais. No caso dos passarinhos engaiolados, tão logo são caçados e colocados naqueles cubículos, os violentos gaioleiros, não conformados em privar os animais da sua liberdade, cercam as gaiolas com um pano para vedar-lhes a visão do mundo exterior. Isso faz com que o animal fique “manso” mais rapidamente. Claro. Ao contrário do bestial que se apropriou indevidamente dele e que o colocou ali, a inteligência do passarinho logo o fará perceber que não adiantará espernear, voar de um lado para outro, dentro daquela cadeia a que foi condenado por ter cometido um único “crime”: nos encantar com o seu canto e a beleza do seu voo quando estava solto na natureza. Melhor será “amansar”.
A “festa” de Barretos faz parte do calendário turístico. É divulgado em noticiários televisivos. Durante o evento o município vive uma época de “alta estação”. A cidade recebe milhares de visitantes que a torna mais efervescente. Como parte das “atrações” comparecem os indefectíveis “cantores sertanejas”. Cantam “músicas” que se esmeram em não ter qualquer beleza poética ou melódica, ser apelativas e de gosto discutível. Compatíveis, aliás, com o gosto de todos aqueles que ali estão. Claro, se todos pagam caro para assistir aquilo, é porque ali encontram a sua identidade.
Enquanto existir eventos como esse de Barretos, tourada, vaquejada, passarinhos presos em gaiolas, rinhas de galos, maltrato aos animais de rua, gente abandonando os animais que um dia disseram que eram de estimação, não poderemos nos considerar seres racionais. Somos sim os mais irracionais de todos os seres vivos que tiveram a ousadia de se tornar inquilinos deste planeta por um breve período de tempo. Quem pratica, assiste, acha interessante eventos como esses, não terá qualquer problema em violentar outra pessoa. De todas as formas: das verbais até à violência física que, no extremo, ceifa a vida ou deixa a pessoa mutilada. Às vezes justificando que faz isso por amor. Como se fosse possível o amor provocar este tipo de ação. Pobre humanidade!
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*Professor Titular e Coordenador do Laboratório do Semiárido (LabSar) na Universidade Federal do Ceará.
1 Comentário
Lindo texto, professor Lemos.
Essas palavras são a pura verdade de uma sociedade que se alegra com o sofrimento alheio.
Abraço,