Jose Lemos
O economista argentino Raul Prebish foi uma, senão a maior, estrela da Comissão Econômica da America Latina e Caribe – CEPAL, que foi criada antes do meado do século passado e tem sede em Santiago no Chile. Escreveu em 1949 um trabalho seminal sob titulo “O Desenvolvimento Econômico da América Latina e Alguns dos Seus Problemas”.
Naquele trabalho o Professor Prebisch talvez tenha lançado as bases da Teoria da Dependência, ou o Modelo Centro-Periferia, que seria uma das maiores colaborações da CEPAL para o entendimento do padrão desigual de desenvolvimento que penalizava as economias pobres latino-americanas e caribenhas, e beneficiava as ricas da Europa e dos Estados Unidos.
Claro que não irei entrar nos fundamentos teóricos da abordagem Cepalina num texto de jornal em que tento, modestamente e sem a pretensão de ser original, reverenciar um dos maiores brasileiros do século passado: O Pernambucano-Cearense Luiz Gonzaga. O mote de rebuscar a teoria da dependência foi para dizer que no diagnostico da CEPAL, dentre outras, trazia como uma das razões para o desenvolvimento desigual entre regiões periféricas a dependência cultural que as economias pobres tinham em relação às ricas.
Na perspectiva daquele diagnostico os países desenvolvidos impunham para a periferia os seus valores culturais, traduzidos em arte, comida, forma de vestir, modo de viver em fim. Disseminavam esses padrões através dos meios de comunicação então vigentes. O Cinema teve uma grande colaboração. O rádio, e mais tarde a televisão. Assim, os jovens das periferias imitavam a forma de viver dos irmãos mais ricos. Foi assim que a coca-cola, os fastfoods, as calças jeans, o rock and roll, os filmes americanos, as camisas (T-shirts) com inscrições em inglês se disseminaram no mundo subdesenvolvido. Claro, alem de bens mai sofisticados como automóveis, eletro-eletrônicos, dentre outros.
Através dessa “imposição” cultural, as economias ricas criavam mercados cativos nas regiões pobres e, por essa via exportavam bens e serviços e, conseqüentemente, ficavam mais ricas. Essa era apenas uma das estratégias que contribuíam para incrementar o fosso entre ricos e pobres do mundo. O diagnóstico da CEPAL mostra todas as demais.
Uma espécie de “imposição” cultural também se observa dentro do Brasil, em que as populações das regiões periféricas do País (Norte e Nordeste) tentam imitar os padrões culturais das populações das regiões “centrais” brasileiras: Sudeste e Sul.
Devido a essa dependência cultural que nós, nortistas e nordestinos, temos em relação ao Sudeste-Sul, somos induzidos a acreditar que tudo de lá é melhor. Desde o jeito de falar, de vestir, de buscar lazer. A nossa baixa auto-estima nos induz a agir em subserviência cultural. Essa subserviência cultural nos faz sentir “menor” em relação ao que é feito naquelas regiões mais avançadas. Esta assertiva é tão mais verdadeira quanto mais pobre for o local no Nordeste ou do Norte em que vivamos. Acreditamos que a nossa musica não é boa, nossa arte não presta, nosso folclore é pior do que o de lá. Aí talvez esteja uma das razões das desigualdades regionais não regredirem no Brasil, seguindo-se os fundamentos da CEPAL.
Por parte dos nossos irmãos do Sudeste e do Sul também observamos certa áurea de “superioridade”. Costumam nos enxergar como subdesenvolvidos, despossuídos de educação e talento. Generalizam e nos chamam a todos de “baiano”. Forma de discriminar.
Por tudo isso é que a genialidade de Luiz Gonzaga se engrandece. Numa época muito mais difícil do que a de agora, em meados do século passado, conseguiu fazer com que os sulistas e os sudestinos atentassem para os versos, poesias e melodias de canções que falavam das nossas riquezas naturais. Tudo cantado vestindo-se “à caráter” e usando o nosso linguajar, o nosso sotaque. Fez músicas antológicas como “Asa Branca” que conquistaram o mundo pela beleza melódica e pelas poesias. “Vozes da Seca” denunciava a penúria em que sobreviviam muitos brasileiros. Versos dizendo que não adianta dar esmola para um homem que é são, porque isso lhe mata de vergonha e lhe vicia.
Gonzagão talvez tenha sido o primeiro compositor a denunciar as mazelas que o ser humano é capaz de fazer contra os animais, ao mostrar na música “Açum Preto”, que há gente “civilizada” que vaza os olhos daquele pássaro para ouvi-los cantar “melhor”. Cantou João do Vale em “De Teresina a São Luis”, que descreve uma viagem de magias pelo sertão maranhense. Contudo, a sua obra maior talvez tenha sido musicar os versos de Patativa do Assaré: “Triste Partida”. Uma poesia que descreve a saga do nordestino que tem que enfrentar, além das dificuldades climáticas, a insanidade de administradores que apenas lhes dão esmolas para deles captarem os preciosos votos “encabrestados” que lhes perpetuam indefinidamente no poder e os fazem mais ricos. Muito mais ricos!
Sulistas e sudestinos passaram a nos ver com outros olhos depois do furacão chamado Luiz Gonzaga. Passaram a observar que aqui também se faz arte com qualidade. Na esteira de Gonzagão, muitos outros autores se projetaram nacionalmente, porque a estrada havia sido aberta. Não mais apenas na música, na arte, mas em outros segmentos importantes que dão vigor a um país. Sem ele, com certeza, os desníveis entre nós do lado de cá e os brasileiros do lado mais rico seriam bem maiores.
Por essas razões não podemos deixar de reverenciar Luis Gonzaga que, se estivesse vivo, completaria cem anos neste treze de dezembro de 2012. Um grande Brasileiro!
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*Artigo publicado em 15-12-2012