José Lemos
O Nordeste brasileiro é uma das três grandes áreas semiáridas da América do Sul, em que predominam combinações de temperaturas médias anuais muito elevadas, com irregular regime pluviométrico, tanto de um ponto de vista espacial como temporal, o que faz essa região apresentar balanços hídricos negativos com bastante frequência. Isto dificulta as práticas agrícolas, sobretudo quando exercidas sem o uso de tecnologias adequadas. Este cenário prevalece nos estados do Nordeste, e em municípios de Minas Gerais. Minas Gerais já tem 89 municípios reconhecidos pelo Governo Federal como inseridos no semiárido, o mesmo, infelizmente, ainda não acontece com o Maranhão.
Aos problemas climáticos agregam-se os altos níveis de concentração fundiária, os elevados níveis de deseducação e de desinformação que corroboram para a situação de instabilidade das populações rurais do semiárido. Essa sinergia de eventos contribui para que parte significativa da população rural dessas áreas seja potencial migrante para as zonas urbanas dos municípios do Nordeste, sobretudo aquelas de maior densidade populacional, como o são as captais, mas também para os estados do Sudeste. São Paulo sempre foi o rumo de milhões de nordestinos tangidos pelas dificuldades climáticas. Mais recentemente o destino dessa gente sofrida tem sido também os estados do Norte. Ali ocupam os espaços geográficos mais insalubres. As chamadas ‘áreas de riscos’ que além de não disporem de infraestruturas de transportes, saneamento, água, escolas, estão sujeitas aos alagamentos em épocas de chuvas intensas, comuns naquela região. Como não tem habilidade para exercerem funções de melhor remuneração, os que conseguem empregos acabam trabalhando em regime de semiescravidão. Esta é denúncia recorrente na mídia nacional.
Parte dos problemas advindos da baixa capacidade de sustentação da vida animal e vegetal nas áreas semiáridas decorre também da ação humana e se constitui, a um só tempo, em causa e efeito da pobreza que prevalece nas populações que lá sobrevivem. Há uma relação sinérgica entre degradação dos recursos naturais e a pobreza rural. Esta sinergia pode ser sintetizada da seguinte forma: A pobreza induz as pessoas a degradarem (involuntariamente) os recursos naturais e o ambiente em que vivem. Recursos naturais e ambientes degradados têm menor capacidade de sustentação das famílias rurais, agravando o estado de pobreza. Formata-se um circuito vicioso de carências difícil de ser rompido.
O sertanejo tem um apego muito grande ao seu ambiente. Por falta de condições, um dia, com o coração partido, olha para a mulher e para os filhos e diz, como bem retratam os versos do poeta cearense Patativa do Assaré, imortalizados na voz de Gonzagão: “Vamo prá Son Pálo, prá vivê ou morrê” E saem no “ultimo pau de arara” até aonde apanharão o ônibus que os levarão no rumo de um destino errático. Triste partida!
As Universidades do Nordeste, como a nossa UFC, a EMBRAPA e outras entidades de pesquisa já produziram um bom acervo de alternativas de convivência com a seca. Boa parte desse material está difuso. Há ainda muito que fazer. Nestes três anos experimentamos uma das maiores secas dos últimos cinquenta anos. E as soluções apresentadas pelos governantes são as paliativas de sempre. Pior, em regra chegam atrasadas. O carro pipa é a síntese dessas soluções que não resolvem o problema da convivência com a estiagem hídrica. Foi com estas preocupações que resolvemos criar, na UFC, o Laboratório do Semiárido (LabSar). Um espaço que pretende reunir o acervo físico e virtual do que foi produzido de pesquisas visando disponibilizá-lo em um lugar que todos possam ter acesso. Estamos também produzindo um banco de dados (LabSar data), aonde reuniremos informações das produções, áreas colhidas das lavouras, posse da terra, efetivos animais, dentre tantas outras informações que poderão ser utilizadas por pesquisadores e estudiosos. Vamos “garimpar” alternativas não agrícolas de geração de ocupação e renda no semiárido, como artesanato, pequenos negócios, turismo… Sempre existem essas alternativas. Elas estão latentes, faltando apenas serem conhecidas fora e aprimoradas para que entidades como os Bancos do Nordeste e do Brasil, Governos dos Estados e Federal viabilizem formas de torná-las efetivas. Concomitantemente com a produção vegetal ou a criação animal, quando as condições climáticas permitirem, os sertanejos podem encontrar, por essas vias, alternativas de lhes manterem nas suas terras.
O nosso Maranhão possui ao menos quinze municípios com características de semiárido. Neles sobrevivem aproximadamente um milhão de conterrâneos. O LabSar foi concebido também para ajudar essa gente, primeiro a ser reconhecida pelo Governo Federal como parte do semiárido. Posteriormente buscando alternativas de convivência desses maranhenses com as condições difíceis de clima. Esta é a minha vontade e a de todos os colegas que comigo criaram e me ajudam a viabilizar o LabSar. Esperamos que os maranhenses, assim como todos os nordestinos, se apropriem deste espaço. Única chance que temos para que ele cumpra a missão de buscar alternativas de convivência com a seca.
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Artigo publicado em O Imparcial do dia 17-05-2014