José Lemos
Eu costumo enviar os meus textos semanais para um grupo de pessoas próximas de mim. Elas os recebem no mesmo momento em que eu os envio para a redação do Jornal Pequeno em São Luis. Uma dessas pessoas que os recebia era o Colega Antonio Gualhardo. Ele era o irmão mais velho do José Gualhardo, que foi meu Colega de Liceu e tínhamos a mesma idade. Ele Médico geriatra. Antonio Gualhardo era Agrônomo. Eu fui calouro dele na atual Universidade Federal Rural da Amazônia. Gualhardo foi funcionário de carreira da Secretaria de Agricultura do Maranhão.
Quando eu fui Secretario de Estado de Agricultura eu o trouxe para o ciclo fechado de pessoas com quem me aconselhava para tomar decisões. Ele, e a minha Chefe de Gabinete, eram os únicos desse grupo fechado de cinco (5) pessoas que não haviam sido meus Orientados de Mestrado.
No ano passado eu escrevi um texto em que eu discutia o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), criado para aferir o conceito de Desenvolvimento Humano. Um dos indicadores do IDH é a esperança de vida ao nascer que, de forma genérica, seria a idade em que, em média, as pessoas morrem em determinado local. A idéia embutida no indicador é que, quanto mais longeva for uma população, em média, melhor terá sido a sua condição de vida no local onde ela viveu.
Naquele texto eu falava que no Brasil a esperança de vida ao nascer era de 75 anos, mas que as mulheres vivem, em média, seis (6) anos a mais que os homens (78 anos para elas e 72 anos para nós homens). Chamava atenção que a esperança de vida ao nascer nos Estados do Sudeste e do Sul, principalmente nestes últimos, era bem maior do que a daqui do Nordeste. Gualhardo leu aquele texto e, ao comentá-lo, disse que gostava muito do que eu escrevia, mas daquele ele discordava frontalmente. Ele falou que aquela “regra” não funcionou na família dele, haja vista que a sua esposa, bem mais jovem do que ele, havia morrido no começo do ano aos sessenta e poucos anos, portanto, muito longe dos 78 anos que as estatísticas estimavam para a expectativa de vida das mulheres. O José Gualhardo, o irmão, também bem mais novo que ele, havia morrido poucos meses antes dela. E o pior estava por vir. Em começo de abril deste ano um infarto fulminante lhe ceifou a vida. E ai? Estatísticas não devem ser levadas a sério? Para quem trabalha a vida inteira com elas, como é o meu caso, não é bem assim. Sem a Ciência Estatística a minha carreira de Docente e de Pesquisador estaria seriamente comprometida.
A Ciência Estatística é útil para todas as ciências. Quem tiver alguma pretensão em ser Cientista terá que ter domínio sobre ela. Esta ciência trabalha com variáveis aleatórias. Por serem aleatórias, associam-se probabilidade (não “certezas”) à ocorrência dos seus valores observados. A Ciência “aposta” que em sucessivas realizações de um experimento em que haja um fenômeno que ocorre de forma sistemática, as probabilidades de ocorrência de eventos específicos convergem para determinados valores. Os valores esperados de uma variável aleatória serão aferidos levando em consideração os valores observados e a probabilidade (não a certeza) da sua ocorrência. Assim é estimada a Esperança de vida ao Nascer, em que computamos as idades e as probabilidades das pessoas morrerem naquela idade. Somam-se esses resultados e encontra-se a média em que as pessoas vivem em determinado local. Como toda média que se preza, terá valores observados acima e abaixo. Os familiares do Gualhardo, e ele, infelizmente estavam no grupo das pessoas que morrem com idade abaixo da média.
Saindo do tecnicismo, esse tipo de estatística é doloroso quando não se “comporta” da forma como dizem os Cientistas, no nosso entorno familiar. O nosso contrato de inquilinos deste belo Planeta Azul é efêmero e repleto de incertezas. A única certeza que temos é a incerteza da nossa trajetória por aqui e que um dia o contrato será encerrado. O que esperamos é que para nós, e para os nossos, demore mais tempo. Muitas vezes não acontece assim. Por isso dói ainda mais. Sobretudo quando ocorre de forma muito precoce.
Cada dia que passamos é, de fato, um dia a menos na nossa trajetória. Todas as manhãs quando levantamos, não saberemos o que nos acontecerá naquele dia. Nem ao menos se chegaremos ao fim dele. Haverá um dia que amanheceremos e não nos recolheremos à noite para dormir. Então, o que precisamos fazer é tentar viver cada dia como se fora o último.
Devemos tentar fazer o que é de melhor para as pessoas que nos amam e a quem amamos. E ainda encontrar tempo para fazer boas ações àquelas que não estão neste circuito. Caso consigamos fazer isso, terá sido justificada a nossa passagem por aqui. Tudo o mais faz parte da efemeridade que caracteriza a nossa transitoriedade.
Sendo assim, a busca incessante por poder e por riqueza material é inútil. Elas sobrarão para nós quando não estivermos mais aqui. Riquezas materiais terão uma enorme probabilidade de fomentar desavenças entre os nossos entes queridos que ficam. E isso acontecerá tão logo o nosso contrato de inquilino se encerrar. Bem melhor do que fomentar riquezas materiais será deixar um espólio em que prevaleça respeito ao contrato que “assinamos” quando viemos para cá, como decorrência de momentos de intenso amor dos nossos pais. Agir por aqui como fazemos quando alugamos um imóvel. Nesses casos, alem de pagamentos mensais, zelamos para entregá-lo ao dono do jeito que o encontramos, quando terminar o contrato.
No nosso contrato de inquilinos do Planeta Terra, não temos obrigação de efetuar pagamentos mensais de aluguel. Contudo, quando o nosso contrato encerrar será muito ruim se não o deixarmos para os nossos descendentes como o encontramos. Pior ainda será se deixarmos rastros de sujeiras que farão com que eles se envergonhem de serem nossos herdeiros. Como não sabemos quando isso acontecerá, será melhor começar agora, caso ainda não o fizemos, o nosso zelo para sermos inquilinos que deixarão saudades e boas lembranças para os que ficarem.
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Texto para o dia 8/12/2019.