José Lemos
A injustiça que ejetou violentamente da cadeira o Governador do Maranhão legitimamente eleito com quase 1,5 milhões de votos, num memorável movimento popular em outubro de 2006, não se constitui em caso isolado de esquisitices (apropriando-me do adjetivo utilizado pela Jornalista Miriam Leitão) cometidas pelo mundo jurídico a fora.
Esta constatação vale como lenitivo de sabermos que não estamos sozinhos neste mundão em que os Senhores e Senhoras das Cortes, com o seu palavreado rebuscado e de difícil compreensão pelos mortais comuns, interpretam as leis. Contudo, um fato parece ser comum nessas Cortes, tanto do bloco desenvolvido como do subdesenvolvido: quase sempre há um forte viés para prejudicar os mais pobres e beneficiar os mais ricos.
No método cientifico apenas divulgaremos resultados depois de minuciosas observações em que nós, pesquisadores, tentamos minimizar os erros experimentais, que trabalhamos sempre para serem muito pequenos, aleatórios, simetricamente distribuídos e com soma zero. O bom pesquisador deve ter uma base estatística sólida, mas também deve usar o bom senso, e apenas fica tranqüilo quando percebe que o seu trabalho tem chances mínimas de prejudicar alguém e probabilidade elevada de trazer benefícios.
Os métodos jurídicos parecem não obedecer estes preceitos. Os erros quase sempre não são aleatórios e, com muita freqüência, são assimétricos, tem soma positiva sempre em detrimento dos mais pobres. Há um apego a informações, ou provas, que nem sempre são construídas de forma adequada e que acabam, por isso, induzindo-os a interpretações equivocadas. Ainda assim, não utilizam do conhecimento que têm e do bom senso que deveriam cultivar para fazer o seu juízo. Fixam-se cegamente nos “autos” dos processos.
Em 1995, eu trabalhava e estudava na Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos. Naquele ano emergiu o rumoroso caso envolvendo o famoso e milionário jogador de futebol americano O. J. Simpson. Ele foi acusado de matar a sua ex-companheira e um amigo dela. O casal estava separado e ele não aceitava a situação e pretendia a reconciliação que ela descartara. As evidencias que foram apresentadas durante as investigações sugeriram que não havia outra possibilidade de alguém ter cometido aquele crime. Não havia mais alguém na cena do crime. O carro dele apresentava manchas de sangue, mas a defesa reuniu argumentos que convenceram os Juízes a não incluírem aquela importante prova nas investigações. Para quem estava de fora, aquela atitude sugeriu que não havia interesse de esclarecer o crime. Ele foi absolvido, num julgamento que praticamente parou os EUA. Se O. J. Simpson não fosse famoso e rico, o seu destino certamente seria outro. As vítimas e as respectivas famílias é que foram penalizadas com a brutalidade de um crime que jamais foi esclarecido. Ele voltou a aprontar depois de inocentado, como já fazia no passado antes daquele frio e cruel crime de que fora acusado.
Madonna, cantora famosa, que moralistas de plantão gostam de censurar o comportamento, tem tido uma postura humanitária irreparável ao adotar e proporcionar amor, afeto e lar seguro para crianças pobres africanas. Somente sabe o que isso significa quem já passou pela experiência da adoção. Criar um filho adotado é muito mais nobre do que um filho de sangue. Há poucos dias ela tentou adotar outra criança negra de Malawi, órfã de três anos. Contudo uma Juíza de lá, claro, não perderia a oportunidade de conquistar os seus instantes de celebridade internacional, negou-lhe a adoção avaliando assim que a criança terá melhor futuro se continuar órfã num ambiente de extrema pobreza.
Nas primeiras eleições que conduziram George W. Bush ao poder, em que concorreu com o então vice de Clinton, Algore, num pleito apertado, uma junta de Juízes não permitiu que fossem conferidos parte dos votos do Estado da Florida, francamente favoráveis ao Democrata. Por Causa disso, Bush, cujo passado pessoal e familiar tanto no Governo do Texas como dos próprios EUA mostrara inapetência e incompetência, ganhou as eleições. Nada disso sensibilizou aqueles Juízes e esse senhor fez uma das mais desastradas administrações, que mergulhou os EUA na crise atual que atravessou fronteiras, provocando desemprego e aflição, com maior peso sobre os mais pobres do planeta. De quebra contribuiu para exacerbar o sentimento antiamericano no mundo.
O Zimbsbwe, ex-colônia inglesa, também sofreu recentemente interferência indevida da Justiça daquele País. Os métodos adotados por Robert Mugabe e sua família, há 29 anos no poder, são muito parecidos com os que observamos do lado de cá do planeta. Para se perpetuar no poder incluem todas as formas de sordidez como, manipulação de informações na mídia sob seu amplo domínio, ataques pessoais aos desafetos políticos para que se mantenham calados. Nestes 29 anos, ele e a sua família acumularam riquezas, e a infeliz população do Zimbabwe mergulhou em pobreza profunda. Caos em fim.
Em 2008 houve eleições presidenciais no Zimbabwe. A população manifestou a sua insatisfação e repúdio a Mugabe e a sua trupe votando na oposição. Mugabe não aceitou os resultados desfavoráveis e usou de todos os artifícios para anulá-la e permanecer no poder. A justiça de lá acatou os seus argumentos e privou a população daquele País da salutar e necessária alternância de poder que é o oxigênio vital da Democracia.
A Justiça brasileira tem agora a chance de reparar um dos seus grandes equívocos. Respeitando a vontade da maioria dos eleitores maranhenses, ou, acatando as denuncias inconsistentes plantadas nos autos que acusam o Governador legitimo dos maranhenses: Dr. Jackson Lago. Contudo, não será através de destemperos públicos dos seus membros que ela, a Justiça, continuará tendo o apreço dos brasileiros que a tem como guardiã imparcial das regras democráticas. Quando há vacância de cargos de Governador e Vice-Governador, existem regras constitucionais que estabelecem a ordem de sucessão. Não se pode sequer admitir o que a grande imprensa veiculou insistentemente nestes dias de que as novas regras de sucessão nesses casos, que provavelmente serão votadas brevemente, não atingiriam os casos do Maranhão e da Paraíba. Isso acontecendo não tem outro nome a não ser casuísmo. Induz também à presunção denunciada na mídia de influencia de poderosos nas decisões daquela Corte. Claro que não podemos e não devemos acreditar nisso.