José Lemos*
A TV Cultura de São Paulo apresenta nas noites das segundas-feiras um bom programa, Roda Viva, que é ancorado pelo Excelente Jornalista Augusto Nunes. Nos dias 13 e 20 de março o programa levou ao ar duas entrevistas diametralmente opostas. Na no dia 13 o Jurista Modesto Cavalhosa mostrou muitas das incertezas e mediocridades de que somos vitimas atualmente neste Brasil. As incertezas sendo incrementadas pela proliferação exponencial dos medíocres. Sobretudo no parlamento.
No dia 20 de março o Deputado Arthur Maia, Presidente do PPS (herdeiro de um Partido que se dizia comunista) baiano, que começou a carreira pelo PMDB e depois enveredou pelo Partido Solidariedade (o que dá a dimensão das suas convicções ideológicas), demonstrou como se pode ser medíocre no exercício da função parlamentar que deveria ser nobre. E ele não é nada menos do que o relator da proposta de revisão da Previdência Social, ocupando a posição de vice-líder do governo atual.
Logo na resposta à primeira pergunta ao âncora do programa, o Deputado já demonstrava o quanto é despreparado para a missão de elevada responsabilidade em que lhe colocaram, sabe-se lá com que tipo de argumentos.
Arguido acerca da necessidade da urgência reclamada pelo governo para a oportunidade de realizar a tal reforma ele falou que no Brasil as pessoas (não falou quem) se aposentam muito jovens, aos cinquenta e poucos anos. Até ai eu concordo. Mas ele não falou quem se aposenta com essas idades. Não disse, por exemplo, que o seu chefe, o atual presidente da República se aposentou exatamente nessa faixa etária. Justamente aquele que propõe que agora as pessoas se aposentem aos 65 anos.
Ele sequer sabe qual é a expectativa de vida do brasileiro, recentemente divulgada pelo IBGE, de 75,5 anos. Este é o pecado menos grave. Mas não deveria fazer parte do portfolio do desconhecimento de alguém que está encarregado em redigir um projeto de lei que vai afetar a vida de milhões de brasileiros que tiverem a ventura (nem sei se não seria desventura) de ultrapassarem 65 anos de idade.
Mas ao Deputado, cujo currículo lido pela locutora que fica na retaguarda, diz ser formado em Direito e ter Mestrado em Direito Econômico, não foi ensinado que toda média que se preza tem uma variância, ou um desvio padrão, ou um coeficiente de variação (CV). Médias com elevados CV são de pouca utilidade como instrumentos para o entendimento de um grupo devido à heterogeneidade que esta medida denuncia.
Em torno da média de 75,5 anos gravitam expectativas de vida ao nascer tão dispares como 78,7 anos em Santa Catarina e 70,3 anos no meu estado, o Maranhão. Mas há lugares no Sul do Brasil em que a expectativa de vida ultrapassa os 80 anos. Há outros, ainda no Maranhão, mas não somente aqui (se servi de consolo) em que a esperança de vida não chega aos sessenta anos. Nas áreas rurais essa é uma realidade cruel que o ilustre deputado desconhece. Ou finge desconhecer. Ou não quer conhecer.
Ele que desconhece a expectativa ao nascer dos brasileiros, em plena relatoria da reforma da previdência, “sabe” que a sobrevida de quem chegar aos 50 anos é viver até aos 84 anos. Não sei de onde ele retirou essa informação. Antes ele tinha justificado a premência da reforma por outro dado demográfico. Segundo ele a taxa de crescimento da população brasileira está diminuindo. O que é verdade. Mas ai vem o disparate. Na avaliação dele, do alto da sua formação de Mestre em Direito Econômico, soltou a seguinte pérola. Em 2040 a população se estabilizará e entra menos gente no mercado de trabalho. Isso contraria o que acontece no mundo desenvolvido. Ao ilustre deputado, pelo visto jamais foram apresentadas as “pirâmides etárias” de um país pobre e desigual, como o Brasil, e aquela que acontece em economias como a Noruega que, atualmente tem o melhor IDH do mundo.
Somente para informar. Os brasileiros que “ousam” sobreviver acima dos cinquenta anos e ultrapassarem os setenta, segundo a PNAD de 2015, são apenas 13 milhões (a maioria no Sudeste e no Sul), ou 6,4% da população brasileira.
Esse “batalhão” de senhores e senhoras, com os seus cabelos (os que restaram nas cabecinhas) prateados (como diria o poeta), quem diria, na calmaria do seu outono de vida, são os responsáveis por todo esse reboliço na Previdência Social do Brasil. Convenhamos, o deputado está de brincadeira. Seria cômodo se não fosse trágico.
Em relação aos super-salários e super-aposentadorias dos servidores públicos, apenas uma minoria, dentre elas os parlamentares, juízes, governadores tem esse tipo de privilégio. Um Professor concursado de uma Universidade Pública Brasileira que tenha os títulos de Mestre, Doutor e Pós-Doutor, não tem remuneração, nem terá aposentadoria, que sequer se assemelhe à dele e a de deputados e senadores pagos regiamente, a maioria para falar e fazer bobagens e asneiras como essa. Provendo, com as suas mediocridades, as incertezas naqueles que viverem o suficiente para se aposentarem. Um direito. Não uma concessão como quer transparecer o deputado.
Em tempo. Não escrevo em causa própria. Caso viva o suficiente, não penso em me aposentar. Mas defenderei o direito de todos aqueles que trabalharam fazê-lo. Precisamos de uma reforma da previdência sim. Mas antes precisamos nos livrar de parlamentares e governantes como esses que nos infernizam ha quase 15 anos.
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*Professor Titular e Coordenador do Laboratório do Semiárido (LabSar) na Universidade Federal do Ceará.