José Lemos
O Índice de Desenvolvimento Humano foi criado em 1990 para aferir o conceito de Desenvolvimento Humano que surgiu pela incapacidade que a renda per capita tem de cumprir esta difícil missão. A renda per capita era usada até 1989 como indicadora de desenvolvimento pelas Nações Unidas. Como qualquer outro índice que tente condensar num número um conceito complexo, como é o de desenvolvimento, o IDH pecará pela tentativa de “reducionismo”. Mas este não é o único problema associado ao IDH, sobretudo quando tenta aferir Desenvolvimento Humano em Países pobres como o Brasil.
Os indicadores do IDH, e do seu similar IDHM por ser aplicado aos municípios, são três: Esperança de vida ao nascer que, na pratica, é aferido pela idade que, em média, as pessoas morrem num local. Outro indicador é o Estoque de Educação, composto por dois sub-indicadores: percentagem de adultos (maiores de 15 anos) alfabetizados e escolaridade média. O terceiro indicador é a renda per capita avaliada pelo poder de compra.
Nas economias mais avançadas do planeta, onde as estatísticas são mais rigorosas, e onde não há disparidades gritantes entre poucos que são muito ricos e muitos que vivem em pobreza, entendida como carências de renda e dos ativos sociais mais elementares, o IDH não terá dificuldades de aferição. Este não é o caso do Brasil. Neste Brasilsão, por exemplo, a renda utilizada pelo programa das Nações Unidas para calcular o seu IDHM de 2010 foi o PIB per capita que o IBGE nos ensina ter sido de R$ 19.766,33. Em torno deste valor médio gravitam PIB médios tão díspares como o de São Francisco do Conde (Bahia), cujo valor é de R$296.884,70; e Curralinho (Pará) que detém o menor valor (R$ 2.269,82). Dos 5.595 municípios brasileiros, apenas em 796 (14,2%), o PIB per capita é maior do que a média do País. Uma distribuição terrivelmente desigual. Essa assimetria se reproduz dentro dos municípios, mesmo entre os de menor PIB médio.
Outro problema associado à dificuldade de aferição, com rigor, do IDHM no Brasil, e em países com o nosso perfil de carências, está associado à esperança de vida ao nascer, que mede longevidade. Em locais carentes, principalmente no Norte e no Nordeste, este indicador tende a ficar super dimensionado. Isto porque existem milhões de brasileiros que nascem, vivem e morrem sem jamais serem registrados. Assim fica impossível computar a idade em que morreram. São pessoas muito pobres, tanto assim que sequer tiveram condições de terem um registro civil, mesmo sendo gratuito nos cartórios. Essa gente tem expectativa de vida menor. Caso as idades dos seus óbitos fossem computadas, a esperança de vida ao nascer dos lugares onde vivem tenderia a ser menor do que aquela que aparece nas estatísticas oficiais. Assim, a esperança de vida ao nascer, que aparece na composição do IDHM do Brasil em 2010, que é de 73,5 anos, com certeza, está superdimensionada. Estes raciocínios se estendem para todos os municípios e estados brasileiros, sem qualquer exceção. Em decorrência os IDHM do Brasil, estados, regiões e dos municípios brasileiros estão super avaliados. Na prática são menores do que os sofríveis valores que são mostrados no Relatório do PNUD. No meu livro eu criei um índice (Índice de Exclusão Social) com a pretensão de “driblar” essas armadilhas empíricas do IDH. Ressalte-se que, de um ponto de vista teórico, o IDH é muito bom. Não há o que discutir. O problema dele está em operacionalizá-lo em economias carentes.
Os atuais detentores do poder no Brasil são interessantes. Quando as Nações Unidas divulgaram, no começo do ano, o IDH brasileiro de 2010 que era um pouco maior do que o atual (não me perguntem o por quê), e lá foi dito que o País estava na 85ª posição no ranking das nações do planeta, o mundo quase desaba no Planalto e penduricalhos. Apareceram Ministros e até o ex-presidente criticando as Nações Unidas. O Ex-presidente, sempre conhecedor de todos os assuntos, mesmo tendo formação primária, chegou a falar que a metodologia era errada. Faltou ele apresentar a sua. Seria interessante os estatísticos e economistas aprendendo com uma figura com aquele portfólio de conhecimentos. Ao apresentar o IDHM menor do que aquele do começo do ano, o PNUD trouxe um condimento do seu IDHM que encheu os olhos e lavou a alma dos atuais detentores do poder, mesmo estando pior do que o anterior e, portanto, mais próximo do real índice brasileiro, segundo as discussões apresentadas neste texto. A informação “alentadora” seria a de que, em vinte anos, o índice avançou em 45%. Motivo suficiente para muita “gente boa” que desconhece os meandros do índice, mas está sempre pronta para fazer loas aos que se apossaram do poder no Brasil, falar maravilhas do IDH. A transferência de rendas herdada do governo anterior é a panacéia desse suposto avanço social catalogado em 45%. Avanço social que não conseguimos captar nos dados do IBGE, os mesmos utilizados pelo PNUD, com outro tipo de tratamento, como falei no texto. A taxa de analfabetismo no Brasil, por exemplo, continua beirando os dez por cento da população maior de quinze anos. A escolaridade média dos brasileiros não atinge oito anos. No Nordeste é de ridículos 6,5 anos. No Maranhão consegue ser menor ainda (6,2 anos). A falta de acesso ao serviço de esgotamento sanitário que, juntamente com o acesso à água potável (outra carência brasileira atual, veja-se o caso do Nordeste nos últimos dois anos), são considerados pelas Nações Unidas os melhores instrumentos de proteção da saúde pública, continuaram, em 2010, praticamente com os mesmos percentuais do que acontecia em 2000. Como a população cresceu em proporção bem maior naquele lapso de tempo, em 2010 tinha mais brasileiros sem aqueles serviços do que em 2000. Portanto, menos imunes às doenças. No meu livro eu estimo as populações socialmente excluídas no Brasil, regiões e em todos os estados. Em 2010 a população sobrevivendo em domicílios privados de renda, educação (analfabeta), saneamento (esgoto ou fossa séptica), água encanada e coleta sistemática de lixo, que são as âncoras do Índice de Exclusão Social que criei, se elevou em relação ao que acontecia em 2000. A população brasileira percebeu isso, sentindo na própria pele, e foi às ruas em junho com cartazes em protestos contra os que administram o país de forma perdulária e irresponsável há mais de dez anos. Constatou que paga tributos noruegueses (melhor IDH do mundo) e recebe em contrapartida serviços prestados pelo estado equivalentes ao que tem de pior nos países africanos.
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Artigo publicado em 3/08/2013