José Lemos
Uma das gratas satisfações de quem escreve é receber retornos na forma de comentários criticando ou elogiando, mas sempre trazendo palavras de incentivo. É como se, de repente, nos transformássemos em porta-vozes de uma legião de pessoas que gostaria de dizer algo parecido, ou em contrário, e que não o faz por falta de espaço privilegiado para tanto. Isso é mais gratificante, sobretudo quando escrevemos de forma despojada, escancarando nosso ponto de vista de forma cristalina e assim nos expondo a brumas suaves, mas também a chuvas e trovoadas. Mas vale a pena o risco. Como vale!
O texto da semana passada foi um desses que mereceu um arsenal de comentários na minha caixa postal. Tanto daquelas pessoas para quem eu mando o texto que se espalham do Oiapoque ao Chuí (literalmente) como de outros que o leram nas paginas do Imparcial no sábado, ou na minha página. Um desses comentários veio do meu primeiro Professor de Econometria, Edgar Lanzer, no curso de Mestrado em Economia Rural na Universidade Federal do Rio Grande do Sul em Porto Alegre. Lanzer continua esbanjando o seu enorme talento em Universidade de Santa Catarina, especialista que é em Engenharia da Produção, disciplina que também foi meu Professor naquelas manhãs geladas no velho, e bom, IEPE-UFRGS.
No texto da semana passada eu dizia, e tentei provar com evidencias técnicas, que o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH=0,730) que as Nações Unidas estimaram para o Brasil colocando-o entre os Países de Desenvolvimento Humano Elevado, está super-dimensionado. A super dimensão não tem a ver com o uso inadequado de dados, como tentaram fazer crer os representantes do Governo brasileiro. Eles não gostaram do tamanho do IDH porque é uma pedra no sapato no discurso ufanista do Brasil maravilha pós-2002.
Lanzer, o meu ex-Professor na UFRGS, concorda comigo quando digo que os sub-registros são algumas das causas da superestimação do IDH, via super-dimensionamento do indicador importante que é a Esperança de Vida ao Nascer. Um ponto que o Professor me chamou atenção foi para a taxa de mortalidade infantil que sendo elevada tende a reduzir a vida média de uma determinada área geográfica. Ele tem toda razão. As Nações Unidas usam como indicador de desenvolvimento (ou a falta dele) além da taxa de mortalidade infantil, a taxa de mortalidade de crianças menores de cinco anos. Dados cruciais em economias pobres e que, se elevadas como o são, nessas áreas, tendem a reduzir a esperança de vida ao nascer. Mas nestes casos as taxas (de mortalidade) estão subavaliadas, o que turbina a esperança de vida ao nascer. Os cemitérios clandestinos, onde estão enterrados “anjinhos” que morreram nesta faixa etária e que se espalham pelos interiores das regiões Norte e Nordeste confirmam a informação em cena sinistra do nosso cotidiano.
Ambos concordamos que para ter a esperança de vida de 73,8 anos, idade que as Nações Unidas computaram para estimar o IDH=0,730 para este ano no Brasil, é necessário que tenha muita gente perecendo tendo vivido um tempo bem acima desta idade. O IBGE mostra através do Censo Demográfico de 2010, que apenas 10,8% da população brasileira tem idade igual ou superior a sessenta anos. Assim, depreende-se que é bastante improvável encontrar número elevado de registros de mortes de gente com idade acima 73,8 anos. Afinal a probabilidade de um brasileiro ter menos de sessenta anos é de 0,89. Portanto, a maior ocorrência de mortalidade deve acontecer nesta faixa etária. Pior ainda, uma incidência enorme de mortes acontece em jovens de classe média e rica, entre dezoito e 26 anos, vitimas de violências, sobretudo de transito. Quando vamos fazer seguro de um veículo, o seu valor acelera em custo se declararmos que algum dos condutores do veiculo a ser assegurado tiver idade até aquele valor critico. Logo fica muito difícil acreditar que o brasileiro esteja com esperança de vida ao nascer tão alta. Infelizmente!
Lembramos que as Nações Unidas não fazem pesquisas nos países para onde ela publica o IDH. Nem poderia. Tanto pelas dificuldades óbvias de logística, quanto pelo fato de ter que colocar gente estrangeira entrando nas intimidades dos países, o que seria, no mínimo, constrangedor. Os dados utilizados são enviados pelos países. Erros, sub-estimativas ou super-estimativas de indicadores devem ser debitados exclusivamente na conta das autoridades que enviam as informações. Mais uma razão para não ficar claro o porquê da reclamação das autoridades brasileiras, se foram elas que municiaram aquela entidade com os dados que agora criticam. Acho que em vez de reclamarem sem fundamentos, talvez fosse mais prudente serem mais verdadeiras ao avaliarem que é impossível um País que tem os enormes grotões de carências de tudo, como o Brasil, ter IDH daquele tamanho, ancorado numa Esperança de vida irreal. Mas isso seria pedir demais para quem diz que transformou estas terras varonis em paraíso tropical.
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*Publicado em 30/03/2013.