Jose Lemos
Eu comecei a minha carreira profissional de Engenheiro Agrônomo trabalhando como Auxiliar de Pesquisador na Estação Experimental da EMBRAPA, que ficava situada na Rodovia Transamazônica, distante 23 quilômetros da sede do município de Altamira, no Pará, no trecho Altamira-Itaituba.
Estávamos em pleno projeto de colonização daquelas imensidões, em que pessoas eram requisitadas de várias partes do Brasil para o projeto de ocupação daquelas áreas. Para ali se deslocaram milhares de brasileiros em busca de guarida que haviam perdido, ou jamais haviam encontrado, nos seus locais de nascimento. Havia nordestinos, de todos os estados. Mas havia outros brasileiros, principalmente gaúchos.
Fiquei pouco tempo por ali, porque fui atrás de concretizar os meus sonhos. Mas demorei o bastante para perceber a exuberância da manifestação da natureza naquela imensidão de floresta tropical virgem. Árvores enormes. Muitas seculares e até milenares. Eram ambientes capazes de mexerem de forma intensa com todos os sentidos: olfato, tato, audição, visão… Sob os pés sentíamos aquele solo úmido, ora arenoso, ora rico em argila. Sempre carregado de matéria orgânica decorrente do processo de decomposição daquela imensidão de vida que se renovava de forma intensa.
Somente a natureza se manifestava em plenitude. Sem que houvesse algo escrito em qualquer lugar. Não havia códigos de comportamento daqueles seres que estavam ali: vegetais de todos os portes, insetos, aves, roedores, mamíferos, répteis, anfíbios, igarapés, córregos, riachos, quedas d’água…
Aquele ambiente era predominantemente dominado por seres que nós chamamos de irracionais. Interação perfeita entre animais e vegetais de todos os portes: os entes que tinham vida biológica. Mas havia os que não tem vida biológica, como água e solo que interagiam em harmonia com os de vida biológica. A reciclagem da vida, e de todos os recursos que ali estavam, se processava de forma natural, sem que tivesse qualquer regra escrita como: Constituição, Estatuto, Leis votadas em Congresso… Essas coisas que acontecem quando os humanos entram no circuito. Sem elas, os seres “racionais” não conseguem viver um único dia em paz.
Aquelas sinergias acontecem normalmente entre os seres “brutos” da natureza. Mas elas, as sinergias, cessam, ou passam ou ficam distorcidas, quando os seres “inteligentes” aparecem no meio daquela imensidão com toda a sua “sabedoria” e destróem em semanas, dias, horas, o que a natureza levou uma eternidade para construir.
E o ser “racional” e “inteligente” faz isso porque quer encher as turbas de riquezas materiais. Acumular fortunas para comprar apartamentos luxuosos, iates, sítios, carros de luxo. Mostrar para os seus pares que ele é quem tem poder. E posses.
Todos os anos somos bombardeados com informações veiculadas pela imprensa dando conta do desmatamento desenfreado da Amazônia. Em geral as “réguas” em que são medidos esses desflorestamentos estão aferidas em tamanhos de estádios, estados, países. Quando essas mensagens são veiculadas em horário nobre dos telejornais os repórteres de referem a elas dizendo que foram desmatadas áreas equivalentes a dois estados de Sergipe, duas Suécias, mil estádios de futebol…
Não satisfeitos com as barbáries dos desmatamentos, os seres “inteligentes e racionais” ateiam fogo ao que restou depois que retiraram ilegalmente a madeira mais nobre. Com o desmatamento os animais silvestres desaparecem porque não tem mais a fonte primária de alimentação e de acomodação para a necessária reprodução e perpetuação da espécie. Aqueles que remanescerem, por terem menor porte, serão destruídos pelas chamas ou pelo calor intenso provocado pelo fogo que foi ateado pelos homens e mulheres “inteligentes” que usaram de toda a sua “racionalidade”.
Nós, os humanos que nos jactamos arrogantemente de sermos racionais, inteligentes e nos auto definimos como a melhor sacada de Quem criou o Universo, sempre agimos de forma agressiva contra os demais seres que coabitam este, ainda, belo Planeta Azul. Afora os fenômenos naturais como terremotos, furacões, tsunamis, secas, enchentes, os maiores estragos provocados contra as nossas próprias vidas e dos demais seres que compartilham este planeta conosco, são provocados por nós, os humanos. Vale ressaltar que nós também podemos induzir ou incrementar as consequências, e até causar parte desses fenômenos naturais. Uma das formas de fazer isso é justamente tornando o planeta mais banguela das suas florestas naturais.
Desde que a humanidade tomou pé por aqui, este tem sido o roteiro. Humanos destruindo florestas, rios, mares, solos, animais. E não paramos ai. Destruímos também outros humanos por motivações as mais diversas. Há ser humano inteligente e racional que agride, mutila e até mata, dizendo que o fez por amor. Há também quem mate os pais porque estão atrapalhando, insistindo em viverem, a vontade dos herdeiros em tomar conta da herança. Que os pais construíram em vida. Para eles, os seus algozes.
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*Professor Titular, Coordenador do Laboratório do Semiárido na Universidade Federal do Ceará. Artigo para o dia 16/09/2017.